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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Nos tempos da fazenda do Vovô


Nos tempos da fazenda do Vovô


Ainda me lembro que uma das grandes alegrias minhas da infância, da época em que freqüentava a fazenda do meu avô, era andar na carroceria da caminhonete, mais precisamente a carinhosamente chamada Jabiraca.
Era uma daquelas antigas Toyotas Bandeirantes que na época já era antiga. Cheia de buracos na lataria que apelidamos de sistema de refrigeração e um sistema de freio avançadíssimo para a época o qual se aproxima do sistema ABS de hoje. O freio só funcionava a partir da terceira bombada no pedal, não parava de imediato.
Apesar dos defeitos nós amávamos e ainda posso sentir o vento da bahia batendo no meu rosto enquanto aquela caminhonete sem freio descia a ladeira com algumas crianças na carroceria. Mas isto são coisas do tempo quando ninguém havia notado a presença do cinto de segurança nos veículos. Tempo de pessoas despreocupadas e famílias enormes.
Mais recentemente, vivi uma experiência que me vez relembrar nitidamente os tempos da fazenda do vovô.
Rio São Lourenço, Mato Grosso, Brasil.
Cortávamos suas águas velozmente em um barco de alumínio de 8 metros e motor de popa Mercury 40Hp. Época de início das cheias quando as nuvens sempre ameaçam desabar sobre suas cabeças e pedaços de troncos de árvores descem o rio rodando em um balé sincronizado, ávidos para pegar uma hélice submersa pelo meio do caminho.
O marrom da seca dá lugar ao mais vivo verde possível e o ciclo seca-cheia novamente tem seu início e a vida agradece.
Já estávamos a pouco menos de uma hora subindo o rio, da aldeia São Benedito para a aldeia de Perigara, e avistamos o porto da aldeia. Cumprimentamos os habitantes da única família que mora na beira do rio, com o costumeiro aceno de mãos e seguimos para o porto.
Ao desembarcarmos, tudo tranqüilo. Pego parte das minhas tralhas e sigo até o posto caminhando sobre a grama baixa aparada pelos dentes ruminantes dos bois e cavalos dos indígenas.
Mais a frente uma movimentação anormal começa. Um grupo de índios segue para o porto enquanto um grupo grande de mulheres olha de longe, curiosas, os acontecimentos. O barqueiro havia ficado no porto para desembarcar os tonéis de diesel e gasolina.
Volto para pegar mais um pouco da bagagem alheio aos acontecimentos, mas já imaginando que algum fato ocorria. A enfermeira passa por mim e exclama:
- Eles vão prender o barco!!!
Minha mente racional não se abala e enquanto carrego caixas, malas e mais caixas para o posto de saúde, calculo as possibilidades. A primeira é eles prenderem só o barco e o motor e liberar a equipe. A segunda é prenderem barco, motor e segurarem a equipe até conseguirem o que querem, o que não é somente o motor com certeza! Em ambos os casos, o veículo de saída, no caso o barco, já não estava mais disponível e a idéia de passar o natal na aldeia não me agradava em nada. A única certeza minha era que até o dia 17 de dezembro teria que estar em Cuiabá para pegar meu vôo para Vitória, custasse o que custasse. Estava disposto até a pegar uma canoa para chegar a tempo em Vix.
O único trecho de saída por terra era uma estrada de mais ou menos 20 km de extensão em meio à mata virgem e lama até o primeiro vestígio de civilização, um dos postos avançados da reserva particular do SESC. Se fosse necessário percorreria a pé estes quilômetros saindo de madrugada até o posto do sesc e de lá pediria uma carona ou andaria mais um pouco até o vilarejo mais próximo e de lá o mundo. De qualquer maneira, não foi preciso utilizar tanto cálculo. Ficou decidido que o motor e barco ficariam como forma de pressão para a visita do chefe dos serviços de saúde, no caso o chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena Cuiabá, e nós voltaríamos com o carro da Funai dirigindo por um chefe de posto indígena, dois dias antes do planejado. Maravilha, a emenda saiu melhor que o soneto!
Com a volta já marcada fico tranquilo e desempenho minhas funções de dentista normalmente.
No dia D, ou melhor, dia V ( de volta) embalamos nossos pertences e esperamos a caminhonete. Os primeiros a entrar fomos eu , a enfermeira e a técnica de enfermagem. Tudo Beleza! Bem acomodados e bagageiro já quase lotado.
Passamos no posto da Funai e entra a diretora da escola gestante com seis meses. Opa começou a apertar! Logo depois entra mais uma indígena com a sua filhinha. Lá vai o único homem para a carroceria, adivinha quem, eu! E logo depois mais um indígena que seria o acompanhante de uma paciente a qual já estava em tratamento em Cuiabá. Pronto! Ferrou! Só sobrou a carroceria, caçamba, a parte traseira do veículo e já tinha pressentido que quem tinha tomado na parte traseira tinha sido eu. E ainda teria que dividir a parte traseira, já apertada, com o índio. Sem duplo sentido, por favor!!!
Meu companheiro de carroceria é uma das peças mais hilárias da aldeia. Chegou devagar, pulou na carroceria sem nenhum murmuro e a primeira coisa que ele falou sorrindo foi:
- “Vamo tomá uma gelada já, já!!!!”
O carro acelerou e partimos para enfrentar as seis horas de estrada de chão até uma cidadezinha chamada Santo Antônio de Leveger, distante algumas dezenas de quilômetros da capital, e o restante seria de asfalto.
Sentados na borda da tampa traseira da carroceria e segurando na corda que amarrava a carga adentramos o pior trecho da estrada. Havia chovido faz uns três dias e a estrada se encontrava em um misto de lama e poeira formada pelos três últimos dias de sol escaldante.
A cada solavanco grande, meu amigo limitava-se a emitir sons do tipo:
- Ai, Ai! Ui!
E nos maiores era:
- Ave Maria! Dói demais!
Dizia num típico e engraçado sotaque pantaneiro, olhando para mim e com um sorriso quase gargalhada no rosto.
E a cada dez minutos continuava:
- Vamos tomar uma gelada já, já!
O sorriso, o vento no rosto e até os solavancos foram me fazendo voltar no tempo da fazenda do vovô quando crianças ainda se divertiam sem o mínimo de conforto. Mais do que os sorrisos foi a atitude frente a situação que me impressionou.
E como num passe de mágica tudo se transformou! Voltei a infância!
Nos atoleiros me imaginava surfando ou montando cavalo Xucro em festa de rodeio. O vento no rosto passou a ser carinho; a poeira passou a ser fator físico de proteção solar de altíssima eficácia; os solavancos foram seguidos de risadas; os respingos de lama transformaram-se em pintura de guerra. A natureza, nunca a vi tão verde, tão fresca e tão próxima. A chuva virava refresco e a gelada... Ah, a gelada passou a ser uma em cada parada.
E assim seguiu e uma viagem de seis horas transformou-se em oito.
Cheguei ao meu ponto de apoio em Cuiabá (a casa da minha prima) parecendo uma escultura barroca. O cabelo agora tinha luzes e estava armado com a ajuda de um poderoso laquê orgânico biodegradável, a poeira, em um penteado que mesclava Elvis Presley e Amado Batista.
Mais do que dores nas costas e no abdômen tirei desta viagem. Recordei da minha infância e reaprendi que a atitude frente a uma situação é muitas vezes a direção que a situação toma.
No final, esta foi uma das melhores viagens que já fiz e estou até pensando que nas próximas, mesmo com espaço, eu irei no bagageiro.
- Quer fazer esta viagem comigo???????? rsrsrsrrsrs

domingo, 7 de dezembro de 2008

Vida no Xaraiés


Vida no Xaraiés

Aqui me encontro no meio dos 250 mil kilômetros quadrados de extensão
da maior planície alagada do mundo. Meu destino é a aldeia de
Perigara. Nada do que me diziam, nada do que eu li me prepararam
para o que estou vendo agora.
Há alguma horas atrás, saí da rodovia transpantaneira, estrada de
terra bem conservada e suas mil e uma pontes, para o rio Cuiabá.
Desço junto com o rio, lentamente, na minha voadeira carregada e
motor 25 hp. Os antigos bororos do rio perigara, mais conhecido como
São Lourenço, são os meus guias neste labirinto imprevisível de águas
paradas e correntes, temporárias ou permanentes. Índios pantaneiros,
grandes conhecedores do pantanal, desde o tempo em que a região era
conhecida como "mar dos Xaraiés".
Sua língua é o Bororo mas também adotaram o "pantanês" como sua língua
. O "pantanês" é o que eu chamo o linguajar do povo do pantanal. É
um tipo de português com característica própria, muitas vezes difícil
de entender e muitas palavras unicamente usadas na região. Acho que
vou ter que me virar e aprender!
Sentar aqui neste barco e ouvir este barulho me faz lembrar meus
tempos de floresta amazônica. A natureza animal, que parecia se
esconder lá no alto rio negro, aqui parece se exibir. Uma quantidade
surpreendente de aves alça vôo enquanto navegamos sobre os atalhos
fluviais que usamos, chamados corixos. Inúmeras garças, colhereiros,
cabeças secas acompanham a voadeira em um vôo que parece escoltar-nos
nas curvas das águas. Dentre elas, se destaca o Tuiuiú, o símbolo do
pantanal. A ave de um metro e sessenta de altura e quase três metros
de envergadura não deixa dúvidas de que é o rei deste lugar.
Durante o trajeto, me comove como a natureza convive entre si aqui no
pantanal. Jacarés, capivaras, Tuiuiús e outras aves dividindo o mesmo
espaço, creio que mantendo uma distância segura entre si, mas com uma
proximidade que parecem que não fazem parte de uma cadeia alimentar.
Aliás, jacaré e o que não falta aqui chegando a reunir mais de 20
indivíduos em uma só pequena praia fluvial.
Aqui tudo parece tamanho "G". As capivaras são imensas e cheguei a
confundir algumas com antas. As aves são grandes, os jacarés estão
visivelmente de "bucho cheio" e os peixes são os maiores que eu já vi.
Acostumado a pescar peixes com 20 a trinta centímetros de comprimento
que pescava esporadicamente com meu pai lá no mar de minha cidade natal, Vitória,
aqui, estes peixes são as iscas. Peixes como Cacharas, Pintados, Jaús
e pacus povoam os rios daqui. O famoso pintado, por exemplo, pode
chegar a 2 metros de comprimento e pesar 80 kilos. Mas nada comparado
ao tubarão dos rios, a Piraíba. Peixe que com 60 kilos ainda é
considerado filhote e pode chegar a 2 metros de comprimento, 300 kilos
e pasmem 1,4 metros de circunferência. Seu tamanho mínimo de pesca
legalizada é de 1,2 m de comprimento. Pena que o mesmo só ocorre na
bacia amazônica e Bacia Tocantins-Araguaia e que sua carne é ruim, ao
contrário da maioria dos peixes encontrados aqui. Peixes grandes
aqui não faltam e começar a descrevê-los todos aqui não seria possível
em menos de algumas dezenas de páginas. Adiantando um pouco a
estória, eu só sei de uma coisa; eu nunca mais trago carne seca para
este lugar.!!! Pesquei quase todos os dias, e quando não pescava
ganhava os peixes e não eram peixes "ralé" não meu irmão! Eu ganhava
era dourado e cachara... Só o filé do local! Aqui, não é só a
quantidade de espécies e sim quantidade de peixes que impressiona. É
tanto peixe que parece um tanque de criação...
A geografia local também chama a atenção. Ao contrário das grandes
árvores amazônicas, uma vegetação mais baixa forma a flora ribeirinha
com trechos aonde podemos enxergar a verdadeira imensidão desta
planície. Não me surpreende isto tudo alagar facilmente. É tempo de
vazante e muitos trechos já estão secos e a altura do barranco dos
rios não passa nem de um metro e meio. As águas correm de forma bem lenta e na
época de inundações quase param.
Continuo o meu caminho através das curvas sinuosas do leito do
Cuiabá e entro no São Lourenço. Rio menos caudaloso, de águas
barrentas, mas como regra local, muito bom de peixe. A quantidade de
corixos parece aumentar e posso ver também inúmeras lagoas ao longo de
seu leito. A quantidade enorme de plantas aquáticas, em sua maioria
aguapés, chega a bloquear o leito para a navegação em alguns trechos
dos corixos.
Horas se passam e após algumas visitas estratégicas a alguns
ribeirinhos chegamos ao nosso destino final, Perigara.
A recepção foi muito calorosa e me parecem indivíduos bem simpáticos.
As suas crianças são visivelmente saudáveis. Também pudera! Em um
lugar como este, só passa fome quem quer. Depois do deslumbramento
da viagem, minha atenção se volta para a população já que esta é o
motivo da minha vinda. Acredito que não encontrarei obstáculos para
um bom relacionamento com as pessoas daqui. Com certeza, será mais uma
das grandes experiências da minha vida no interior deste grande país.
Durante minha estadia vivo a vida pantaneira no seu modo mais
natural, mas isto é uma outra estória para ser contada em um outro
momento.........
FUI.........................

Pontos de vista - Gafes antropológicas


Pontos de vista - Gafes antropológicas
CURTAS

Índio na cidade pergunta: - Aonde é o banheiro?
Anfitrião: - É só seguir o corredor na segunda porta a direita.
Após a volta do índio o anfitrião começa a sentir um mau cheiro se espalhando pelo apartamento.
Vai até o banheiro e olha o cestinho de lixo cheio de merda, e indaga ao índio:
- Porque que vc fez no cesto e não aqui no vaso?
Índio responde: - E eu, sujar essa água limpinha!!!!!

“Branca” na aldeia: - Aonde é o banheiro?
Índias: - Vc segue esta trilha, quando chegar em um pé de jatobá vc baixa.
A branca seguiu a trilha e quando viu o pé de jatobá ela abaixou.
Pena que era para “baixar” em um barranco até perto do rio e não abaixar as calças ali. Resultado ficou na trilha aonde toda a aldeia transitava.

Comentário indígena: Branco é nojento mesmo não é?! “Caga” dentro de casa!!!!
Para quem não entendeu, para os índios casa é aonde vc dorme e o banheiro costuma ser separado da casa ou no mato.

Índio vai visitar parente no hospital e leva uma bolsinha misteriosa.
Ao chegar lá provoca um alvoroço e ligam do hospital para a casa do anfitrião que hospedava o índio.
Hospital: - Fulana, por favor, tira este índio daqui!
Fulana: - Mas porque?
Hospital: - Ele trouxe uma criança queimada dentro de uma bolsa.
Fulana: - Podem ficar tranqüilos que isto não é criança não é um macaco!!!!!!

Pajé vai visitar paciente no hospital para secção de pajelança.
Mais tarde ligam novamente para o lugar de hospedagem do índio pajé.
Hospital: Ciclana, por favor, tira este índio daqui!
Ciclana: porque?
Hospital: Ele tirou a roupa e está aqui enfumaçando o quarto do hospital todo.
Ciclana: Se eu fosse vcs deixava o índio aí, e quando ele terminar ele mesmo bota a roupa e sai, ele está em uma sessão de pajelança!

Existem etnias que ao ver o catarro no nariz da criança, a mãe chupa com a boca para limpar.
Ao ver este ato considerado por ela horrendo a enfermeira chega e exclama: - Ai que nojo!
A índia na lata responde: - Nojento são vcs que assoam o nariz e ainda guardam no bolso!


Indígena Enawenê Nawê na cidade para e olha para uma academia de ginástica aonde diversas pessoas estão na esteira e pergunta: - O que eles estão fazendo?
Branco responde: - Correndo.
Índio: - Mas correndo de que?
Branco: - Correndo para perder peso.
Índio: Perder peso porque?
Branco: Porque eles comem muito e ficam gordos.
Índio: - Enawenê não precisa disto. Enawenê já corre atrás da comida e não precisa mais correr depois!!!!

Branca em uma aldeia vê uma índia de cabeça raspada e exclama: - Está na moda né, ronaldinho!! Dirigindo-se a índia.
Outra amiga mais sábia sussurra em voz baixa: Cala a boca que ela está de luto!!!

sábado, 29 de novembro de 2008

SEMANA PEÇONHENTA


TRATADO DE BIOLOGIA MATO GROSSENSE
Semana Peçonhenta
Andava descalço procurando o meu chinelo logo antes de tomar banho. De repente piso em algo que espeta o fundo do meu pé. Pulo de lado e olho o que seria. Olho aquela lagarta marrom com pelos parecendo pinheirinhos verdes e os índios que estavam vendo televisão no posto falam:
- Essa lagarta é perigosa, é a Sassurana! Vai passar um álcool aí.
O acidente que tinha me provocado pequena dor local me deixou curioso, mas como estava indo tomar banho sigo para o banheiro. Abro a porta do banheiro, fecho a porta, e olho no vão entre a porta e a parede uma cobra olhando para mim, já em posição de ataque. Como aqui isto não é muito difícil de acontecer, saio tranqüilo do banheiro, e digo:
- Aí já é brincadeira, antes uma lagarta agora uma cobra no banheiro!
A princípio o pessoal não acredita, então digo para irem no banheiro checar. Um dos índios ao entrar, exclama:
- É mesmo! Traz um pau aí.
O acontecimento com a cobra me deixou mais curioso ainda então fui procurar o nome real dos nossos “amiguinhos” visitantes.
Abro a internet e digito, Sassurana. Procuro uma foto da lagarta que eu pisei e para minha surpresa aparece a foto acompanhada dos seguintes dizeres:
- LONOMIA OBLIQUA, Após a introdução das cerdas, o veneno é injetado. A dor é imediata e violenta com sensação de queimação, podendo irradiar-se para outras partes do corpo. O local fica vermelho e inchado podendo ocorrer ínguas.
Acidentes com lonomias apresentam, além dos sintomas citados, hemorragias em qualquer parte do corpo. São comuns o sangramento pelas gengivas, hematomas e urina escura. Este último sintoma caracteriza problemas renais. Hemorragias intracranianas também foram observadas resultando em óbito.
Penso: - Óbito, sangramento! Uma lagartinha daquela.
Lembro do escorpião que achei a uns três dias na pia da cozinha e digito “escorpião”. Procuro a foto do tal escorpião e me aparece:
-: O escorpião Tityus serrulatus (Lutz & Mello, 1922) é conhecido como a
espécie mais importante, do ponto de vista médico, pois é o que causa os acidentes
mais graves registrados para no território brasileiro. O mais venenoso da América do sul.
Aí já é sacanagem!
Apesar de estar escrito que ele não ocorre na região do Mt, a foto não me deixa dúvidas. É o Tityus! A foto e o texto me dão certeza já que fala também que ele é um dos únicos com as características de partenogênese, ou seja, autoreprodução. Não precisa de uma fêmea. Pode ser levado de uma região para a outra e lá se autoreproduzir. Pena que no momento eu apenas o esmaguei e não o recolhi para depois ser analisado.
A nossa amiga do banheiro era a Jararaca, uma grande conhecida dos brasileiros do interior. Responsável por 85% dos acidentes ofídicos no Brasil.
Pela foto me parece a Bothrops neuwiedi Bolivianus, uma jararaca que vive aqui na região oeste do MT e mais parte da Bolívia.
Esta semana também tive a visita, no posto de uma Tarântula, mais conhecida como aranha caranguejeira. Esta aí é a mais boazinha de todas, assusta mais pelo tamanho e aparência. A única coisa que provoca são dores no local da picada ou alguma irritação devido aos pelos urticantes que ela tem. Apesar de quase inofensiva, eu não gostaria de pegar uma destas dentro do meu sapato.
As conclusões que tirei da semana são:
- A internet é muito útil no mato
- Sempre recolha os animais para análise de especialistas.
- E a última, mas não menos importante, AQUI TEM MUITO BICHO!!!
FUI!!!!!!!!!!!!!

sábado, 22 de novembro de 2008

PASMACEIRA


PASMACEIRA
Acordo, dia de sábado;
dia de churrasco em Vila Picada
e olha que vai toda a indiarada.
Fico abandonado no posto
e tudo parece agosto o mês do desgosto.
Estou sem carro e sozinho
e tomo o café ao som dos passarinho (no Mato Grosso não existe plural)
O dia está fresco e vou pra academia.
Enxada na mão começo a carpição;
Carpo, Carpo, não quero ver mato.
Só quero ver árvores e fruta,
ali lá longe olho o pe de bocaiúva.
Não que seja uma uva,
mas pra quem está no mato é um manjar.
Tira-la-ei da maneira tradicional,
batendo no tronco com um pedaço de pau.
Enquanto bato,
as Japuíras que fazem ninho estão gritando,
até parecem que estão me xingando.
As úvas-bocaiúvas caem,
guardo no bolso e volto para o posto.
Barulho de ônibus,
passa lotado com a indiarada,
e eu sozinho aqui com a passarada.
Ai,ai, ai que pasmaceira!
Até dá tempo pra escrever besteira!!!!!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

MINHA PRIMEIRA NOITE!!


Minha primeira noite! Nunca tive uma noite como esta e antes que comecem a especular começarei a explicar.
Após alguns anos andando, ou melhor, boiando nos rios do pantanal passei inicialmente de turista para integrante da sociedade , ou seja, fui de passageiro a integrante do ambiente sócioetnopolíticogeográfico local. Que palavra comprida!
Vamos desmembra-la para um melhor entendimento.
Sócio - de sociedade – Agora sou praticamente parte da sociedade. Eles Falam : Olha o dentista do pantanal! Outros falam: Olha o dentista de ìndio! Alguns podem até pensar: Olha o dentista ìndio! Não, acho que não!
Etno – de etnia, raça: Agora faço parte deste ambiente de mistura de raças. Ìndio, branco, mameluco, mamelouco e o escambau que é a miscelânea de raças brasileira.
Político – de política, obviamente. Participo e até faço um pouco de política local, afinal todos nós fazemos política só que muitos acham que não estão fazendo, mas estão.
E geográfico - de geografia , outra obviedade! Entendo a geografia e faço parte da geografia! Se vc perguntar: - Aonde fica a escola que caiu? A resposta será: - Fica perto do consultório do dentista. Entendeu?! Geografia!
Deixando os sufixos, prefixos e multifixos de lado voltemos a minha primeira noite. Não, eu não estava querendo desviar a atenção não!
Como passei a fazer parte do sistema, sempre que corro pelos rios e corixos do pantanal fazemos paradas estratégicas para diversas finalidades. Exemplo: - Se vc está com fome e não tem como fazer comida por que está em um barco, vc planeja para parar na casa da Suely bem na hora do almoço; se vc acha que não vai conseguir chegar a tempo na aldeia antes de anoitecer, vc para no Mamed para conversar, que por coincidência é dono do Hotel/Pousada Arara Azul, e espera inocentemente o sol virar lua. E como sou parte do sistema também sou usado pelo mesmo. Diversos habitantes esperam o dentista de índio chegar para fazer uma consulta, obturação ou extração, mesmo não sendo índio. É isso aí, o sistema utilizando o sistema.
Em uma destas vezes em que atendia no povoado de São Benedito que fica justamente em frente ao Hotel/Pousada Arara Azul, na pressa de voltar para a aldeia de Perigara saímos de São Benedito, sem utilizar o sistema, ou seja, dormir no Hotel. Tínhamos certeza de que pegaríamos um trecho à noite no rio, no entanto não contávamos com o calendário lunar contra nós.
Fazer este trajeto pelo rio a noite é considerado perigoso só que até já estávamos acostumados a tal. Com o motor Yamaha 40 hp a viagem não seria tão demorada e o trecho a noite menor ainda. Seriam o total de mais ou menos 1 hora no rio.
Com o motor em neutro o piloto, cacique de perigara, puxa o cordame e o motor ronca, então engata a marcha e acelera para voarmos através dos rios e corixos pantaneiros.
Navegamos por um trecho estreito do rio São Lourenço em uma região que se chama Pirigara. Não confundam com a aldeia de Perigara. O Pirigara é uma região em que o rio São Lourenço se divide em diversos braços irrigando o pantanal, antes de morrer ao encontro do Cuiabá.
Anoitece e para o nosso azar é uma noite sem lua. Entendeu agora porque o calendário lunar estava contra nós? Não?! Nas noites de lua é possível navegar com uma certa segurança nos rios, mas em noite sem lua é Breu Total!!!! Tínhamos em mãos uma lanterna apenas a qual não era adequada para iluminar trechos extensos já que estaríamos navegando a uns 40 km/h e a resposta a qualquer adversidade teria que ser rápida devido ao campo de visão reduzido.
Ainda no trecho estreito do rio, sentados e tranqüilos, atingimos um tronco submerso e subitamente o barco inclina-se para um dos lados fazendo com que quase viremos. Depois do acidente, paramos mais à frente e o cacique anuncia:
Cacique – Quebrou o pino?
Eu - Que pino?
Cacique - O pino que segura a Hélice?
Eu - E agora?
Cacique – Tenho uma reserva.
Eu – Graças a Deus!

Estávamos no barco, eu, o cacique, a enfermeira, uma indígena e sua filha de 6 anos. Era o único homem que poderia ajudar, então lá fui eu segurar a lanterna enquanto o cacique batia o pino novo na rabeta, do motor. Sem duplo sentido, por favor!
Estávamos até com sorte, pois em época de cheia não teríamos nem lugar para parar já que o rio transborda e nesta ocasião conseguimos até uma bela prainha. Está certo que estávamos cercados por onça de um lado, jacarés e piranhas de outro, contudo terra firme ainda é bem melhor.
Concerto feito e partimos novamente rumo a escuridão. Eu não sei porque cargas d’água eu ainda não comprei uma lanterna ainda depois de 4 anos nas matas do Mato Grosso. Suspeito que deve ser porque quase sempre que preciso, alguém tem uma por perto. Apesar de não ter nenhuma lanterna eu ainda me dou o direito de reclamar, e vc sabe, lanterna de índio é foda! Desculpem o palavreado! Quando a pilha ainda não acabou, pode contar que está preste a acabar. E foi justamente o que aconteceu. Na escuridão completa ficamos! O cacique diminuiu a velocidade e continuamos a viagem utilizando ao máximo as pupilas indígenas super dilatadas que devem ser geneticamente iguais às dos felinos já que eu não enxergava nem a ponta do meu nariz, e olha que eu tenho um senhor nariz.
Ainda tranqüilo, seguimos lentamente até que ouço um estrondo, barulhos de galhos quebrando e sinto o barco inclinando-se com a proa para cima. O reflexo me fez abaixar e me proteger atrás de uma das caixas de madeira com material odontológico. Ao cairmos na realidade, percebemos que estávamos travados em cima da copa de uma árvore que havia caído no rio e agarrado no fundo do seu leito. Seus galhos estavam virados para a nossa direção simulando lanças e o que me protegeu foi a caixa de madeira. Então estávamos nós em cima de uma árvore em uma cena no mínimo bizarra. A voadeira a qual literalmente voou, encalhou nos galhos mais fortes da árvore e ficamos ali, presos como passarinhos no ninho. Como já tínhamos asas, resolvemos tentar sair dali desembarcando, e com os pés nos galhos robustos forçamos uma marcha ré. Eu de um lado e o cacíque de outro.
- Um, do, lá, si, já! Mexeu um pouco
- De novo! Já! Mais um pouquinho.
- Segura que agora vai, huuuuurrrraaaa!!! Foi.
Desencalhamos. E sendo levados pela correnteza contrária ao nosso destino o
motor funciona novamente e pernas, ou melhor, hélice pra que te quero..
Nem tão mais tranqüilo assim, caio na real de que aquela viagem estava sendo a maior roubada e fico imaginando que os troncos que vemos de dia, cheios de pássaros lindos, poderiam estar na nossa cara a qualquer momento.
A viagem segue tensa e o rio alarga-se. Finalmente chegamos ao trecho mais largo e seguro do rio.
Mais alguns minutos, e junto com o grito da bruxa que estava solta, vem o barulho do motor pifando. O motor para. O índio bate o cordame. E o motor na mesma. E o índio puxa o cordame. E o motor estático, nem sinal de vida. Nem um ultimo suspiro. Infarto ou AVC fulminante! Não sei se foi Deus ou o Diabo que pararam aquele motor. Desconfio que foi Deus, pois sinceramente prefiro dormir na mata a morrer com um pau cravado na cara! Sem duplo sentido, por favor!
Zingamos até a margem e paramos o barco. Meditamos ali por alguns minutos mesmo sabendo que o destino seria dormir ali. Por obra do acaso, tinha trazido a minha barraca e a enfermeira a dela. Subi no barranco e mesmo sem ver muita coisa procurei um terreno que seria adequado para a montagem da mesma. Tateando o solo para retirar possíveis gravetos e pedras que por ventura pudessem perfurar minha costela enquanto durmo, demarco o terreno. Monto a minha barraca e a enfermeira após dar a sorte de ser atacada por formigas fogo também consegue montar a dela. Enquanto isto o Cacique fica no barco afugentando com a Zinga ( pedaço de bambu comprido) jacarés curiosos. Neste caso é curiosidade de jacaré mesmo, pois creio que eles não estavam lá para nos comer.
No barco o cacique que lá estava por lá mesmo ficou. E olha que o convidei para dormir na minha barraca. A índia também resolveu dormir no barco, quem sabe era pra “conversar” um pouco mais com o cacique, e a filha da mesma dormiu com a enfermeira.
Depois de toda a tensão, dormir naquele chão de barraca com um casaco servindo de travesseiro, mesmo que em plena selva foi uma das melhores coisas que me aconteceram naquele dia, ou melhor, naquela noite.
Dormi como um anjo cansado. Acordei com os pássaros a minha volta. Zingamos rio acima por alguns minutos até encontrar o socorro vindo em nossa direção. O outro barco da aldeia veio nos buscar, nos rebocou e assim terminou a saga da minha primeira noite, na Mata!

domingo, 16 de novembro de 2008

THE HUNTING


A Caçada

Seis anos vivendo e peregrinando por algumas matas do Brasil. Apreciando a vida a minha volta; e digo apreciando não somente no sentido visual da palavra, mas também no sentido gustativo. Que me perdoem os naturalistas que nunca nem sequer pisaram no asfalto quente com pé descalço, que dirá em terra molhada, mas não tem nada melhor do que um porco do mato, um veado ou um jacaré do papo amarelo na panela!
Nunca matei nenhum deles, no entanto, comi de tabela em um jantar ou almoço oferecido por algum indígena.
Quem anda de salto alto na mata pode não entender o que vou dizer, mas relação com a natureza não se faz apenas admirando os animais na TV ou fazendo doações à World Wildlife Foudation. Defender a natureza se traduz em uma relação mais intrincada de harmonia aonde tanto se protege como se agride só que de maneira comedida, dando tempo a ela de se recuperar. E foi em uma destas relações de agressão a natureza que meu espírito de preservação e meu instinto de sobrevivência se confrontaram.
Fazia um mês que o filho do cacique havia desaparecido nas matas do pantanal Mato Grossense. A aldeia dividia-se em um grupo de busca e grupo de alimentação. O grupo de alimentação era formado por 3 ou 4 pessoas responsáveis pela caça e a pesca suficientes para alimentar a aldeia inteira enquanto os outros ficavam exclusivamente ocupados na procura do rapaz desaparecido.
Como a era do arco e flecha já passou, precisavam de munição para as espingardas vinte e dois para a caça. A calibre 22 [e uma espingarda leve, calibre fino e com um “coice” mínimo. Só mata rápido quando o tiro é certeiro no coração, do contrário ou o animal sobrevive ou morre de tanto sangrar caso o trajeto da bala tenha atingido alguma artéria ou veia vital.
A munição acabaria em breve e sem ela não teriam como caçar para a aldeia, então resolveram ir até um vilarejo chamado Pimenteira para compra-la. Apesar de toda lei contra o armamento é extremamente fácil comprar bala neste lugar. Mais de 5 pessoas a vendem tudo tendo como origem o contrabando através da fronteira com a Bolívia aonde a munição tem preço de banana.
Era um final de tarde e o sol ainda apontava no céu inclinando-se cada vez mais e abrandando a força de seus raios.
Fui convidado para ir com os indígenas “passear” até a Pimenteira. Aceitei de bom grado já que qualquer oportunidade de interação é sempre uma oportunidade de aprendizado. Aonde a princípio iriam 3 pessoas se transformaram em oito. Estávamos em uma caminhonete L200 da FUNAI; dois na frente, quatro atrás espremidos igual sardinha em lata e neste meio eu, e mais dois na carroceria.
Seguimos viagem chacoalhando, conversando e observando atentamente à tudo que se movia em meio a relva ou mais à frente na estrada. Muitos animais, não sei por qual motivo, ficam nas estradas ou próximas dela.
Subitamente vejo a imagem de um veado campeiro pelo vidro lateral do carro. O índio que dirigia, para o carro, vira-se para mim e fala: - Quer levar para casa?
Hesitei por um momento já que nunca fui de matar animais. Após os segundos de hesitação, peguei a vinte e dois e saí do carro. Aquela seria a última vez que mataria algum animal e é bom lembrar que mataria para comer.
Quem acha que comendo carne de boi está protegendo os animais silvestres não sabe o quanto de mata nativa desmata-se para manter a pecuária extensiva praticada no Brasil. O espírito do caçador ancestral toma conta do meu ser. A espingarda engatilhada em punho, com passos breves e leves sigo em direção ao animal que se encontrava pastando os ralos brotos de uma vegetação rasteira assolada por uma queimada anterior.
Na minha mente, traço o trajeto que me fará chegar o tão próximo quanto possível do animal sem que o mesmo me veja. Não estou nervoso! Sigo com os passos leves agora me agachando atrás das árvores. De árvore em árvore vou chegando cada vez mais perto. A minha frente está uma palmeira de acuri de tronco grosso e curto o qual me serviria de perfeita camuflagem. Agora quase me arrastando no chão para trás do tronco referido me posiciono. Olho para o animal. O mesmo encontra-se pastando, tranqüilo, sem ao menos imaginar que está preste a desfalecer.
Como em uma batalha de guerra empunho a arma, faço mira logo atrás da pata dianteira, bem no “sovaco” como diriam os indígenas chiquitanos. Ali naquela região já até consigo imaginar o coração batendo e logo após explodindo causando uma hemorragia fulminante e fatal. O olho traça o caminho desde a alça de mira, passando pela massa de mira até o alvo. O dedo no gatilho já preste a disparar dispara! Pá!... A bala sai do cano em meio a uma explosão de pólvora provocando um barulho muito forte. O animal salta! Continuo olhando para o animal esperando ele cair. O mesmo continua de pé e penso que deve ser um dos bem forte. Trocamos olhares e o bicho continua pastando, tranqüilo, como se nada tivesse acontecido. Procuro a segunda munição e cadê? Não a trouxe. Olho novamente e ele já não se encontra mais lá. Pensei: - Como pude errar um animal tão grande?
Já no carro percebi a razão pela qual eles haviam me dado a arma para atirar. Na cultura Bororo, o veado é um animal quase que sagrado e nenhum bororo se atreve a mata-lo e poucos se atrevem a come-lo. Só os “homens branco” iguais a mim podem faze-lo. Então, o insight do porque o animal não havia morrido me veio. É óbvio ululante que espíritos sagrados desviaram o tiro para longe da carne macia do animal. E como intervenção divina a gente não discute, a única coisa a dizer é:
- AMÉM!!!!!!!!!!!!

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Vida na fronteira


Vida na fronteira
Olho para o outro lado da estrada e digo para uma novata na área:
- Olha, ali é a Bolívia!
- Ali?
- Sim, ali.
Para quem não vive na fronteira é de uma estranheza só que outro país esteja tão perto. Para falar a verdade, até para quem está acostumado bate a tal estranheza de vez em quando.
Quando lembro de Bolívia lembro de Morales, dos Andes, do Titicaca e da Petrobrás. Quando penso em Brasil lembro de Samba, Carnaval, Cachaça, da minha esposa, filha e família.
Quando estou aqui falo Português e falam português.
Quando estou lá Hablo Portunhol e hablam espanhol.
Que linha é esta que é tão poderosa que divide terras, línguas e costumes e ainda por cima é invisível?
Será que esta linha também possui o efeito Meissner, o mesmo que ocorre nos supercondutores? Será que estas peças geográficas se repelem?
Imaginem, então, a força do acontecimento na região da cabeça do cachorro ( São Gabriel da Cachoeira – AM) aonde se vai do Brasil à Colômbia, da Colômbia a Venezuela e da Venezuela de Volta para o Brasil em menos de uma fração de hora.
Se as peças se repelem, daqui a pouco estaremos tão longe quanto o Brasil está da África hoje desde o desquite quando se encontravam juntos na antiga Pangéia.
Seria uma pena, pois meu portunhol não seria mais o mesmo e sentiria saudade até mesmo do índio presidente que tanto faz notícia aqui no Brasil!

domingo, 19 de outubro de 2008

NASCER DE UMA LENDA


NASCER DE UMA LENDA

Aldeia aterradinho, etnia Guató, pantanal Mato Grossense.
Acabava de receber a notícia que um indígena, filho do cacique da aldeia Perigara ( etnia Bororo), havia desaparecido na noite anterior. Ouvimos a notícia através da “rádio cipó” que é como a gente chama o” boca a boca “ da floresta. Às vezes, a notícia chega à você tão distorcida que já se transformou em algo completamente da versão original. Devido a esta característica, não dei muita atenção ao fato, mas era algo que deveria ser verificado.
Partimos, então , no dia seguinte em direção a aldeia São Benedito ( etnia Guató), pois foi lá que o rapaz que tem seus vinte e poucos anos havia desaparecido.
No dia do desaparecimento, ele estava ajudando a equipe da de vacinação canina da Funasa como piloteiro da voadeira ( tipo de barco).
À algumas horas de barco da sua aldeia, aproveitou o tempo livre par “bater” a tradicional bolinha e “tomar umas” com os amigos Guatós. Entre alguns goles e alguns dribles o dia foi acabando e o sol sumindo no horizonte pantaneiro. A noite caiu e todos preparavam-se para dormir. Com a rede atada, pronta para uso, o indivíduo resolve dar um última saída e vai em direção a casa dos amigos. Chega lá dizendo que vai voltar para a aldeia dele, mas ninguém dá muita atenção pois o barco estava com pouquíssima gasolina no tanque e ir a pé seria uma caminhada de dias em meio a mata fechada e alagados, infestados de jacarés e outros animais selvagens.
Ao raiar do dia, a equipe da Funasa acorda e vê a rede do piloto vazia. A volta para a aldeia de perigara estava marcada para este dia, então passaram a procura-lo. Foram até a casa de um dos guatós e nada. Começaram a preocupar-se.
A notícia se espalha e a aldeia inteira passa a procura-lo. Alguns saem de barco e mais a frente encontram a voadeira dele parada , como se tivesse estacionada, em uma das margens do rio. Um casaco e um chinelo foram achados no fundo do barco, como se os tivessem colocados cuidadosamente lá. Muito estranho!! Pensaram.
Uma das hipóteses, era de afogamento e os bombeiros foram acionados. A alguns meses atrás, um indígena da mesma aldeia havia morrido afogado no mesmo rio e o receio era que tivesse acontecido a mesma coisa.
Cheguei na aldeia de São Benedito um dia após o desaparecimento. A aldeia estava toda mobilizada, dois bombeiros de busca fluvial já se encontravam na ativa e diversos homens da aldeia do in´digena desaparecido haviam vindo para ajudar na procura. O semblante de preocupação era geral.
Os bombeiros procuravam dentro do rio, em meio a galhadas submersas aonde muitos corpos, vítimas de afogamento, são encontradas antes de boiar divido aos gases de putrefação. Os indígenas faziam a busca na mata procurando por indícios de passagem humana.

Mais tarde naquele dia, chega à notícia que foi encontrada uma “batida”, que é como eles chamam o rastro aqui no pantanal. O rastro era de uma pessoa que condizia com o tipo físico do desaparecido. As esperanças se renovam e as buscas por terra se intensificam. O corpo de bombeiros continua pelas águas do rio São Lourenço em uma região conhecida por Pirigara.
O rio São Lourenço é um rio de águas barrentas e antes de se unir ao rio Cuiabá, se divide em diversos “braços” ajudando a alagar o pantanal na época das cheias. Na época da seca, suas ramificações formam leitos relativamente pouco profundos sendo que é em um destes leitos que a busca se concentra. Isto facilita o trabalho dos bombeiros e vai afastando a probabilidade de afogamento a medidads que a procura vai avançando.
Devido ao clima na aldeia de São Benedito, seguimos com o atendimento de forma precária atendendo somente as pessoas que vieram nos procurar, as quais não foram muitas.
Partimos, mais tarde, subindo o rio São Lourenço em direção a aldeia de perigara. Ao chegar lá o clima de tristeza era geral. Muitos formavam imensos grupos fora de suas casas em volta de uma fogueira e ali passavam dia e noite, se alimentando precariamente e chorando às vezes. Apenas as crianças menores brincavam.
Naqueles dias, os casos de atendimento eram dores e desmaios provocados pela inanição.
Os dias se passam e nada e nada. Notícias diversas chegam através da “rádio cipó”. Em menos de um dia chegou notícia de que o corpo havia sido achado no rio e outra dizendo o contrário. As contradições eram constantes e a confusão geral.
Mais dias se passam e os bombeiros encerram a busca pelo rio e um helicóptero é acionado.
Um mês se passa e volto para mais uns dias de atendimento em Perigara. O semblante de tristeza diminui, as crianças continuam brincando. A busca feita pelos “homens brancos” já cessou e uma busca espiritual deu-se início. Pajés foram consultados e afirmam que o mesmo encontra-se vivo, andando na mata e acompanhado do Bope. Não, não é o Bope da tropa de elite!! O bope é o equivalente ao Curupira ou Caiçara do folclore brasileiro. Igualmente ao Curupira, o Bope confunde a mente de quem anda na mata e não o deixa achar o caminho. Uma carta do Padre Anchieta datada de 1560, dizia: "Aqui há certos demônios, a que os índios chamam Curupira, que os atacam muitas vezes no mato, dando-lhes açoites e ferindo-os bastante". Daí surgir a lenda do Curupira, daí surgiu o Bope.
A aldeia inteira é instruída é instruída a andar de chinelo para não confundir os rastros. Na mata perto da aldeia, os índios acharam rastros “frescos”. A busca se intensifica perto da aldeia.
Todos os dias, os adultos, inclusive grande parte das mulheres saem à procura na mata, enquanto outro grupo pequeno fica com a função de alimentar a aldeia inteira através de caça e pesca.
Antes de participar de uma destas buscas, pesara que o rapaz já deveria ter morrido de fome, no entanto depois percebi que a probabilidade de morrer de fome era remota.
Durante a busca que participei, um grupo grande se divida no mato em grupos menores. No meu grupo, eu e mais dois índios, adentramos a mata fechada, em meio a bromélias e cipós de espinho e também campos abertos. Durante o deslocamento, ficávamos atentos a qualquer indício como pegadas, plantas rasteiras amassadas como sinal de que alguma coisa tenha deitado no local, entre outras pistas. No caminho todo conseguia me alimentar de bocaiúvas e jatobás; existia também uma grande quantidade de Acuris o qual eu não sou muito fã, mas é comestível. Isto afastou do meu pensamento a morte por falta de comida.
Quando saí de lá, estavam iniciando à busca de madrugada aonde saíam às 4 da manhã seguindo orientações espirituais. Volta e meia, continuam achando “batidas” e algumas índias já chegaram a dizer que viram algo correr delas após um estrondo na mata. Acham que é ele pois viram rastros logo após o acontecido.
Pensei então que como a mula sem cabeça era uma mulher que namorou com um padre, o romãozinho era um menino muito malvado e o negrinho do pastoreio era um escravo criança, gente como a gente antes de virarem lenda,; pode ser que o índio em questão não demore a passar a ser uma, pelo menos local.
Com a ajuda dos espíritos, talvez o achem; ou talvez inicia-se aqui o nascimento de uma lenda!!!!!!!!!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Tecnologia a serviço dos Céus.


Alguns dizem que a tecnologia está a serviço do diabo. Que o símbolo da besta, o 666, está gravado nos chips e que o fim está próximo com a internet. Bem, eu acho que a tecnologia está a serviço de Deus e da ordem.
Ontem tive que pedir um carro emprestado para fazer compras no supermercado para, no dia seguinte, partir para o meu trabalho com os índios. Aqui não tenho carro, e tive que apelar para o carro de uma técnica de enfermagem da nossa equipe do Pantanal. Ainda bem que ela tem! O detalhe interessante é que ela não tem carteira de motorista, mas tem carro. Acho que deve ser uma coisa normal aqui no MT,pois a enfermeira da minha equipe e o marido dela também tem carro e nenhum dos dois tem a “carta” como diriam os paulistanos. Fiquem tranqüilos, pois nenhum deles dirige; dá para entender?! As respectivas mães e pais fazem o papel de motorista particular.
Esperava na ONG, na qual eu trabalho, a mãe da técnica chegar com o carro para irmos ao supermercado.
A senhora chegou, guiando o carro, cinto de segurança, tudo certinho! Entramos no veículo e partimos. No caminho passamos a conversar sobre o que, para mim, é no mínimo diferente, o fato dos das duas não terem carteira de motorista, mas terem carro.
Conversa vai, conversa vem e ouvi um trecho que me chamou a atenção e que dizia assim:
- A culpa é do tal computador!
Sondando mais o assunto pedi que abrisse mais a “ferida”. Foi quando me veio outra revelação bombástica:
- A minha eu tirei por telefone!
Uma interrogação surgiu em minha mente, telefone?!!! Não sabia que existia tal modalidade. Seria uma carteira do tipo alfa ou Beta?
A estória seguiu. Foi quando eu quase atropelei uma policial ou delegada e a dita cuja queria me pegar. Na hora não tinha os documentos e falei que os mesmos estavam em casa. Dei um telefonema e no dia seguinte já estava com a carteira. E seguiu:
- Naquele tempo era tudo mais fácil. Lembro que chegava a ficar com os punhos doloridos de tanto escrever votos!
E eu na minha ingenuidade, votos?
- É, votos! Naquele tempo você conseguiria eleger até você mesmo se quisesse. Existia um esquema no TRE em que pegávamos as cédulas antes das eleições e ficávamos escrevendo votos, e depois era só distribuir nas urnas.
- Tinha caso de candidato que no início não tinha voto e no fim estava eleito.
Perguntei, e o controle?
-Naquela época eles não tinham muito controle de nada, tudo era mais fácil!
Dirigia-se anos sem tirar os documentos. Este computador dificultou tudo. Agora não dá!
Bem, chegamos na casa da tal senhora e agora , eu , que tinha carteira, assumi o veículo para continuarmos o nosso trajeto. O carro parou, assumi o volante, dei a seta, acelerei o veículo e BUM!!! Bati o carro!!!!
Brincadeirinha !!!!!( o parágrafo foi para dar mais suspense). Segui normalmente até o mercado com um pensamento na minha cabeça.

BENDITO SEJAM OS COMPUTADORES!!!!!!

sábado, 11 de outubro de 2008

SHAKESPEARE NO MERCADO


Comprar ou vender, eis a questão!! Seria como diria Willian Shakespeare se fosse um mega especulador do mercado de ações nos dias de hoje. Muitos estão vendendo e estão concretizando a perda; muitos que não tem ações, como eu, não estão nem aí! Será que eu deveria me preocupar?! Será que eles não sabem que ações são investimento de longo prazo?
Economistas dizem que é o novo Crash de 29, religiosos brasileiros dizem que é o apocalipse sendo que uma das 7 cabeças da besta do apocalipse deve ter a cara de um sapo barbudo, diriam os anti-lula. A hecatombe está formada!!!!
Meu Deus! O crescimento da China não vai ser 10% vai ser só 8% e o do Brasil vai cair 1 %. Acho que vou me matar, mas antes vou vender as minhas ações! Espera aí! Eu não tenho ações; eu não vendo nada para a China, Europa nem para os Estados Unidos, mas tenho um imóvel para financiar. OPA! Talvez eu deva me preocupar.
Trilhões evaporaram do mercado, mas para onde foram? Dar um passeio? Para o brejo junto com a vaca?
Darwin, em espírito, deve estar orgulhoso vendo a sua teoria da evolução sendo aplicada com tanta veemência no sistema bancário mundial. A “lei do mais forte”, do mais preparado. Os bancos menos preparados quebram enquanto outros como o HSBC e o Santander saem incólumes a esta crise. ( fonte: revista Isto é)
Realmente eu não entendo! É muito complicado para a minha cabecinha de dentista de índio este economês.
A única esperança que tenho é uma estória que li há pouco tempo atrás que dizia assim:
- Um executivo americano em uma reportagem sobre como ficar rico com ações, declarou que se uma pessoa investisse 15 dólares na época, 20 anos depois teria 80.000 dólares. Alguns meses depois da declaração houve o crash de 1929 da bolsa de Nova York e o tal executivo foi taxado de inconseqüente e incompetente. Algumas décadas depois, refizeram o cálculo e para surpresa de muitos, mesmo com o crash da bolsa, os mesmos 15 dólares poderiam ter se transformado em 60.000 dólares. Afinal, ele não estava tão errado.!
Quem sabe a marola do Lula que se transformou em onda não possa ser surfada?
Comprar ou Vender, eis a questão!!!!!!!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Noite em trevas!


Como deve ser difícil viver em trevas.
Já fazem 15 minutos que estou sem luz e me encontro tateando a prateleira da cozinha procurando um fósforo para acender uma vela. Penso:
- Acho que vi o fósforo atrás dos potes de arroz e feijão.
Levanto o pote, tateio mais um pouco e Ops! Um susto. Foi só um galho seco de uma erva chamada marcella que deixaram aqui atrás do feijão.
Aqui, não é difícil encontrar aranhas, lacraias e afins passeando por entre os utensílios e mantimentos da cozinha.
Tateio em cima da geladeira, dentro da galinha de barro, em cima da caixa de ovos e nada. Lembro então que o fósforo tem uma relação íntima com o fogão e resolvo procura-lo ao redor do mesmo. Ainda bem que o mapa da cozinha está estampado na minha memória e consigo me localizar bem no escuro. Só quem já ficou sem lanterna em uma noite sem lua sabe que é a mesma coisa que estar em um mato sem cachorro. Você não vê um palmo a sua frente!
Apalpei a beirada da janela e lá estava o bendito. Dei Graças! Com o fósforo fica mais fácil achar a vela.
Bem em meio a um momento retrô, lembro então de uma peça tecnológica muito comum hoje em dia, o celular. Sua utilização mais comum aqui no mato é como lanterna. Como não ouço música e o celular não dá sinal aqui, suas funções ficam limitadas. Pensando bem, meu celular não pega nem dentro de um elevador na cidade. A minha operadora é Tim e por aqui dizem que é Tim enganei.
Com a ajuda do celular o qual sabia exatamente aonde estava, achei a vela.
Tudo começou com um ato que na cidade é bem simples. É só um Clic e pronto! Faça-se a luz! Aqui a maratona começa na origem. Um tipo de energia muito utilizada nos países de 1° mundo sem recursos hídricos abundantes; a termoelétrica.
O combustível é o diesel e fica acondicionado em galões plásticos de 50, 100 ou 200 litros trazidos da cidade. A dificuldade começa logo de cara. Para abrir o galão de 100 litros, você precisa de um alicate ou chave especial a qual não temos, pois a tampa tem rosca interna e não externa. Às vezes penso:
- Quem foi o idiota que inventou isto?! Mas logo imagino que deve ter alguma vantagem oculta, dever ter!
O próximo passo é aspirar o diesel através de uma mangueira até um regador. Muitas vezes, ao aspirar na mangueira, você efetivamente respira o combustível o qual tem um gosto péssimo. Ainda bem que não é gasolina que tem um vapor residual que queima os pulmões.
Do regador o diesel passa para o tanque do gerador de energia, posiciono o acelerador na posição liga, giro a manivela a toda velocidade e a máquina começa a funcionar. Vou até o disjuntor que libera a energia gerada até o posto de saúde, e o ligo.
O último passo, mas não menos importante, é o que fazemos na cidade. Aciono o interruptor e pronto, luz para todos! Mas como nem tudo é perfeito, minutos depois o gerador começa a ratear e para de funcionar. Neste momento estava sozinho no posto de saúde sendo que o restante da equipe havia saído.
Volto para a casa do gerador e com todo o meu conhecimento "avançado" em mecânica de motores verifico possíveis problemas:
- Entrada de ar? Retiro a mangueira de combustível na entrada do filtro, deixo o diesel vazar até o ar sair. Não, não é entrada de ar!
Filtro de óleo sujo? Retiro o filtro, lavo com diesel ou gasolina limpa, coloco-o novamente em seu lugar e... não, não é filtro sujo!
Falta de óleo lubrificante de motor? Retiro a vareta, limpo a ponta, introduzo-a novamente, retiro-a novamente, checo o nível e pronto, também não é isto!
Falta de água para refrigeração do motor? Escalo os 1,70m de altura em um tronco de aroeira liso, checo o nível de água no tambor. Nível pela metade. Também não é isto.
Bem, acabou! Acabou o meu conhecimento em mecânica! O jeito é viver em trevas com a ajuda de uma vela e como compania, meu caderno espiral de capa flexível e minha caneta esferográfica feita de derivados do petróleo e uma bolinha de metal. Pelo menos estes não precisam de energia elétrica para funcionarem.

domingo, 21 de setembro de 2008

Dificuldades


Não sou o tipo de sujeito que reclama das coisas, mas mesmo assim existem momentos que me pego murmurando devido algumas pequenas dificuldades que no momento julgo grande. Creio que a maioria de nós é assim, só que algumas pessoas não percebem o quanto são ranzinzas não olhando em volta a dificuldade de outros.
Um dia destes estava ouvindo um relato de um funcionário da funasa antigo sobre o tempo que era servidor da SUCAM. Na época um rapaz recém empregado do órgão federal e louco para desempenhar suas funções. Não que hoje não tenha vontade de desempenhá-las, mas na época, tinha o vigor da juventude. Foi contratado para borrifar domicílios contra barbeiros e outros insetos, colher lâminas levando-as para exame e verificação de infecção por malária entre outros afazeres. O trabalho era dividido em regiões e era feito na zona rural. Ficou responsável pela zona rural no entorno de São Félix do Araguaia, e se hoje o asfalto ainda não chega até lá imagina na década de 70 que, se não me engano, foi a época que se passou o ocorrido. Apesar de ser responsável por uma área geograficamente imensa, não lhe deram nenhum veículo, tinha que ir sozinho e para melhorar tudo só tinha uma pequena folha que indicava o nome dos lugares os quais tinha que visitar sem indicar direção ou distância entre estes pontos. Era um típico trabalho de explorador que ia de localidade em localidade, a pé, perguntando o caminho, dormindo aonde quer que estivesse, e comendo de favor na casa das almas mais bondosas.
Contou-me que em uma de suas visitas a distância de uma localidade a outra era muito grande, mas como não tinha marcação do tanto que teria que andar na sua folha, seguiu, seguiu e não conseguiu chegar aonde queria. Dormiu ao relento em sua rede! De noite o clima era bem ameno, mas de dia o calor do cerrado era causticante. Andava e parecia que a estrada não tinha fim. Não havia comido na noite anterior e nem hoje ainda e na estrada, nenhuma alma viva para te dar alguma indicação. A sede era maior do que a fome. Quando a sede estava começando a supera-lo parou a pouca sombra de uma das árvores de tronco retorcido do cerrado e descansou pensando que seus dias estariam no fim. É, nestas horas a gente sempre deve pensar se está para morrer ou se aquilo que se passa é apenas um teste a mais na sua vida.
A sombra, apesar de rala, impedia o sol de fritar o seu cérebro e pirar de vez. Foi quando, de repente, passou um Tatu correndo bem perto dele. Juntando suas últimas forças e empunhando a sua faca correu como quem corre pela vida. Correu mais que o Tatu cravou-lhe a faca nas costas e caiu quase desfalecido. Olhou a sua frente e viu o tal do tatu seguindo viagem com a faca nas costas e o sangue escorrendo. Ah, o sangue! Naquela hora era um líquido precioso que poderia aplacar-lhe a sede. Juntou novamente as forças que lhe restavam no tacho e partir para mais uma tentativa desesperada. Quase sem mais esperança, achou que já o havia perdido e também a faca. Tal qual foi a sua surpresa quando avistou o indivíduo animal com a sua cabeça enterrada em um buraco (seu ou de seus parentes) com o traseiro de fora e a faca nas costas. O pobre coitado do animal não conseguiu entrar no buraco completamente, pois a faca o impedia e seu sangue já estava quase exaurido.
Coitado do animal e feliz do homem, que bebeu o restante de seu sangue, comeu a sua carne e conseguiu seguir viagem até finalmente chegar em seu destino.
Em outra ocasião, já de bicicleta comprada com recursos próprios e um revólver também comprado com recursos próprios, à dita cuja furou o pneu. Como já andava preparado, remendou-o com o seu kit de emergência para pneus. O calor era tamanho que o remendo não parava e por muitas vezes teve que remendar novamente. Como não era de ferro e não tinha espírito de porco, sua paciência esgotou-se e como se pudesse findar a vida da sua ex-amiga magrela, atirou na infeliz! Seguiu no trecho puto da vida e a largou-a ao relento.
Mas nem só de infelicidades vive o homem! O seu uniforme era muito respeitado nos locais por onde andava. Para muitos, ele era a única esperança.
Uma certa vez passou em uma casa aonde uma mulher ardia com a febre da "maleita". Tremia em sua rede enquanto seus vários filhos e filhas apenas observavam a cena. Seu marido havia saído para o campo e só iria voltar dias depois. Como já estava acostumado com tal situação, já imaginou ser febre causada por malária e medicou-a prontamente.
Passado um tempo o medicamento parecia não estar fazendo efeito, e a mulher começou a tremer ainda mais, preocupando-o. As crianças, assustadas começaram a chorar. De repente, a tremedeira cessou. Passou-se um tempo e a mulher já estava de pé fazendo um café e alguma coisa para ele e as crianças comerem.
Em outra oportunidade na mesma casa encontrou o marido da dita cuja no lar. Foi então que a moça chamou a atenção do marido e falou: - Se tem alguém a quem eu devo a vida e a de meus filhos é a Deus e a este moço aí! Vai pescar uns peixes e caçar alguma coisa para dar de comer para o moço. O marido prontamente atendeu, saiu, e voltou horas depois com algumas traíras e uma caça.
Mais tarde dormindo em sua rede, na casa do casal, pensou em como aquelas palavras tocaram seu coração e que eram momentos como aqueles que vaziam valer todas as dificuldades que havia passado............

sábado, 20 de setembro de 2008

Relógio Biológico


Pouco se fala neste tal de relógio biológico e quando se fala as opiniões são diversas. Uns falam que existe, outros falam que se existe o deles está quebrado e outros só querem saber de dormir. Eu sou um dos que acredita no relógio biológico e ultimamente acho que ele tem até GPS e mais um aditivo de localização que indica se é zona rural ou zona urbana.
Agora são 22:30 em Cuiabá , centro oeste brasileiro, zona urbana. Há um dia atrás, neste mesmo horário, estava dormindo profundamente em meu quarto telado contra os mosquitos, na aldeia indígena de Perigara(etnia Bororo), também no centro oeste brasileiro, ou melhor no extremo oeste Brasileiro, mas na zona rural.
Aqui me encontro, por falta de sono, escrevendo em meu caderninho espiral de capa flexível ( aquele que nossos avós usavam) com uma canete esferográfica, também outra peça prestes a pedir aposentadoria.
Uso este caderninho para anotar memórias, pensamentos e filosofar sobre cadernos, canetas e relógios biológicos. Você deve estar pensando: - Mas ele ainda não tem um notebook?!
Não, eu ainda não comprei um laptop( outro nome da peça tecnológica)! Não por falta de caixa, mas mais por pensar que na conjuntura atual, não irei utiliza-lo plenamente e que daqui a alguns meses surgirá um computador portátil ( outro nome) 100 vezes mais potente, 1000 vezes mais rápido e por um terço do valor; ou talvez porque eu seja apenas pão duro mesmo. De qualquer maneira, sovina ou não, mesmo não possuindo o aparato tecnológico já me passa uma certa estranheza estar escrevendo em uma folha feita de uma árvore, com uma caneta feita com derivados do petróleo e metal e utilizando os movimentos da minha mão coordenados por estímulos elétricos cerebrais; resultando nesta ridícula letra minha e suas inúmeras rasuras que só podem ser apagadas com liquid paper, errorex, corretivo, ou seja, lá como vocês chamam este líquido branco utilizado para encobrir seus erros. Liquid Paper! Pelo amor de Deus! Já vejo estas páginas como peças de museu e ainda assim não comprei meu laptop.
Quando estou na zona rural, meu relógio biológico segue o dos passarinhos. Durmo as 8:30 e acordo as 5:45. Quando estou na zona urbana, como num passe de mágica; Tum! Durmo mais tarde e acordo mais tarde também. Quando volto para Vitória, sudoeste brasileiro,zona urbana, meu relógio segue o horário de Brasília.
Ultimamente ele tem estado bastante preciso, é só concentrar antes de dormir, ajustar e pronto acordo no horário planejado ou até antes dele sem nenhuma musiquinha irritante nos meus ouvidos.
Em uma das aldeias, antes de anoitecer, ligo o gerador de energia a diesel com a ajuda de uma manivela, ligo o computador ( não, não é um notebook), conecto-me na internet via satélite, leio meus e-mails, depois atualizo meus relatórios em infindáveis formulários de papel feitos de árvores, desligo o gerador puxando um arame, acendo uma vela para iluminar meus últimos 10 minutos de pensamentos antes do sopro final e da escuridão. Percebeu?! O choque de gerações?!
Os postes de energia já estão chegando na aldeia. Estão lá no chão há uns 2 meses esperando para serem levantados enquanto alguns indígenas já fazem suas dívidas em eletrodomésticos. Televisão, geladeira e máquina de lavar são os mais cotados. Os computadores já chegaram, tanto no posto de saúde quando da escola e olha que na escola nem os tijolos chegaram ainda!
Creio que chegará um tempo que meu relógio biológico não distinguirá zona urbana de zona rural. Creio que chegará o tempo que comprarei um notebook não precisando mais transcrever e digitalizar as letras escritas neste papel e creio também que dois meses depois, terei de comprar outro pois o que acabei de comprar já estará desatualizado pois só terá um HD de 1 terabite e uma memória de 20 gigas conectando-me a apenas 50 megabites por segundo na Web. Quando este tempo chegar, a única coisa que permanecerá imutável será o meu relógio biológico, ajustando-se apenas pelos fusos do planeta ou quem sabe da galáxia. Este sim poderei confiar, e trabalharei hoje para que um dia possa estar tão preciso quanto um relógio atômico! Ufa! Vou dormir! Meu relógio biológico me chama! Tec! Boa noite!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Manual de Turismo do Pobre ( Roteiro Vitória Pantanal)


Manual de Turismo de Pobre
Roteiro Vitória Pantanal

Primeiramente compre uma passagem aérea na promoção mais desesperada da Gol linhas aéreas; aquelas de R$ 50,00 reais o trecho e divida em seis vezes. Compre vix=Sp, e Sp=Cuiabá perfazendo um total de R$200,00 ida e volta.
No dia da viagem pegue um ônibus de sua casa até o aeroporto lembrando antes de se entupir de pão com "mortandela" e um café com leite na padaria da esquina.
  • Pão com "mortandela" = R$1,00
  • Café com leite = R$ 1,00
  • Passagem de ônibus = 2,10 Ao embarcar no voo, chegando a hora do serviço de bordo, e a aeromoça perguntar: Barrinha de banana, castanha ou coco? , diga uma de cada e para completar, peça sem vergonha alguma um suco de laranja que é bem calórico e mais uma água para diluir o suco e dar mais volume, dilatando o estômago e consequentemente enganando-o. Quando a aeromoça perguntar se deseja mais alguma bebida, repita a operação do suco de laranja e sem pestanejar pergunte se não tem aqueles amendoinzinhos. Não se preocupe que isto tudo está incluso no preço da passagem aérea e comendo mais te dará a impressão de que está pagando menos pelo vôo.

Ao chegar no aeroporto de Congonhas nem pense em pedir um Sushi no Gentai ou um Panini na casa do pão de queijo, pois isto é coisa de rico, e lembre vc é pobre! Vá até a área do Check in e saia pela porta automática bem em frente a passarela de ônibus. Ao sair, recuse a oferta de taxi que irá receber , afinal, taxi é coisa de rico, atravesse a rua até um dos vendedores ambulantes de sanduiches. Dê preferência ao lanche da Maria a qual vende uma esfiha gigante que vale por um almoço no valor de R$4,00. Se a esfiha tiver acabado, peça um sanduiche de salada com salaminho (que chique!) ou um Bauru paulista por R$2,00 e complemente com um pastel de R$1,25, pedindo um desconto de R$0,25 no pastel, afinal, vc já comeu um sandwiche e o pastel estará frio. Resista a tentação de pedir um refrigenrante pois além de caro (R$2,00), eles contém ácido fosfórico e açucar podendo lhe causar prejuízos futuros no dentista e também contém cafeína o que vai fazer com que seu corpo libere mais suco gástrico lhe causando uma gastrite, ou pior, mais fome. Mesmo gastrite sendo uma doença de rico não podemos subestima-la neste mundo tão globalizado. Não se preocupe com as possíveis contaminações na comida já que seu estômago é de pobre e seu suco gástrico é de avestruz e irá destruir qualquer invasor ou os vermes naturais do seu intestino não permitirão qualquer tentativa de alteração da sua flora patológica intestinal por microorganismos invasores.

Se por algum acaso não conseguir ficar sem beber nenhum liquido depois do almoço, vá até o bebedouro do aeroporto e beba toda a água que conseguir; afinal, água é de graça.

Volte a sala de embarque e permaneça imóvel até a hora do embarque para Cuiabá pois movimento significa gasto de energia e gasto é prejuízo.

Ao pegar o vôo repita a operação do vôo anterior ingerindo ao máximo barrinhas de cereal, goiabinhas e muito líquido.

Ao chegar em Cuiabá, saia do aeroporto e nem pense em pegar um taxi; vá até o ponto mais próximo a pegue um ônibus até o seu destino ( R$1,95).

Em relação a sua estadia, dê preferência a casa de algum parente ou conhecido pois assim economiza. Se não tiver parente vá até a rodoviária, encoste em algum banco próximo a alguma pilastra e finja esperar até adormecer. Não se esqueça de amarrar sua mochila no pescoço pois se não o fizer corre o risco de não ve-la nunca mais, mesmo sendo mochila de pobre.

Ao amanhecer, ligue para a Uniselva ou a Funasa, a cobrar obviamente, e fale que é índio Guató e diga que quer voltar para a aldeia. Se a conversa colar, pegue carona e vá até porto cercado; se não der certo, vá até o guichê mais próximo e compre uma passagem para Poconé (R$10,00).

Para o café da manhã, saia da rodoviária e pare na padaria mais próxima. Café com leite ( R$1,00) e pão com apresuntado(R$1,00).

Chegando no município de Poconé, procure algum carro do Hotel Sesc Pantanal que esteje de bobeira e finja ser um turista rico tentando entrar na Van para pegar um carona até a beira do rio em Porto Cercado. Se não for bem suscedido na tentativa, vá até a estrada que liga Poconé até Porto Cercado e não se esqueça de levar uma faca pois irá precisar mais tarde. Já na estrada, peça carona aos turistas finjindo ser um Pantaneiro que fala com sotaque Pantanês pois turistas são muito sensíveis a peças exóticas como esta, principalmente se for turista estrangeiro. Conte estórias de como conseguiu fugir da onça ou como pegou um jacaré pelos dentes para dar mais veracidade a sua nova identidade pantaneira.

Chegando lá, na beira do rio Cuiabá, simule ser um turista rico novamente e entre no Hotel Sesc Pantanal; peça uma vara de pescar de bambu e iscas de coração de galinha R$2,00. Você deve fazer isto sem titubear, ou melhor, faça com a cara de pau que Deus lhe deu, pois não fazendo pode levantar suspeitas de que não é rico.

Vá até o rio e pesque uma quantidade de piranhas que ache suficiente para o almoço. Utilize a faca citada anteriormente para tirar Sashimis das piranhas.

Se quiser registrar o momento, diga para algum turista do hotel que a sua máquina quebrou e peça para ele tirar uma foto sua, comendo o sashimi de preferência, e mandar para o seu e-mail; lembrando-o de mandar a foto somente daqui a uns 5 dias, pois como é pobre e não tem e-mail, terá que cria-lo na casa de algum parente menos pobre dias mais tarde quando voltar.

Momento registrado está na hora de voltar pois o dinheiro já deve estar acabando e sua alegria mesmo vai ser quando voltar para o seu bairro e mostrar as suas fotos para seus amigos mais pobres que você e mentir dizendo o quanto se divertiu e o quanto comeu Sashimi! Você vai poder rir da cara deles quando eles perguntarem, Sashi oque?!

Faça o caminho de volta tendo sempre em mente a economia. Venda a faca se precisar.

Fazendo desta maneira, conseguirá um turismo econômico por apenas R$246,10 ida e volta. Dividindo a passagem em seis vezes você gastará apenas R$ 79,4 no primeiro mês incluindo comida e hospedagem e depois somente R$33,3 nas prestações subsequentes. Para você que ganha um salário mínimo, comprometerá apenas 17,64% da sua renda no primeiro mês e 7,3% nos meses seguintes diminuindo ainda mais este valor se você é beneficiário do programa Bolsa família.

Um turismo seguro e adequado para sua classe, aprovado por quem entende do assunto!





sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Interior


Município de Porto Esperidião, quinta feira de um Mês de agosto. Como em Castelo no ES, mês de agosto aqui é mês de vento e de humidade relativa do ar próxima a de um deserto. A boca seca e vc bebe água o dia inteiro sem saber para onde esta grande quantidade de água vai. Acho que o ar toma tudo de volta.

Cheguei de uma viagem de 145 km de estrada de chão. O carro sem ar condicionado não me permitia fechar a janela; o calor era de 40 e alguns graus e a poeira da estrada moldava os meus cabelos lavados com sabonete na noite anterior fazendo com que até as madames ficassem com inveja imaginando qual seria o laquê francês que estaria usando; o vento quente vindo de fora completava o penteado, era o secador de cabelos da natureza, até a temperatura do ar era parecida; os solavancos da estrada de chão faziam minha cabeça pender de um lado para o outro e embora sentado estava me exercitando. Hoje meu pescoço dói! Mas não é sobre a viagem que irei falar.

Cheguei em Porto no final da tarde e a equipe decidiu descançar pouco na cidade para só então seguir viagem para Cuiabá no dia seguinte. Passamos na prefeitura para conversar alguns assuntos de aldeia com a secretaria de saúde do município e eu aproveitei para pedir um armário fechado para o meu consultório tirando proveito da época da eleição. Só em cidade do interior a gente consegue acesso tão fácil ao secretario de saúde! Conversa vai conversa vem e fomos convidados para jantar na casa da secretária; só em cidade do interior vc é convidado a jantar em casa de secretário de saúde! Como não havíamos jantado ainda ficamos satisfeitos com o convite.

Mais tarde chegamos ao local do jantar já esfomeados e a chave casa da secretária de saúde havia desaparecido.. Geralmente ficava em um vão perto da primeira janela da sala. Só secretário de saúde do interior guarda chave dentro de um vão perto da janela da sala! A secretária telefonou para o seu pai e a chave foi localizada. Só secretário de saúde do interior não tem a cópia da chave da própria casa!

Entramos na casa e partimos direto para a cozinha encontrando a cachara ( peixe de couro parente do pintado) semi congelado, dentro de uma bacia de água. A secretária meio preocupada, checou o grau de congelamento do peixe arriscou cortar uma posta mas olhando pelo seu esforço o processo estava muito difícil. Olhou para o nosso lado sugeriu que a ajudássemos. O motorista estava na internet fazendo a inscrição dos índios da sua aldeia para o vestibular indígena da Universidade federal do mato Grosso, a enfermeira foi encarregada de cortar os tomates, a secretária cortava a cebola e outros temperos e eu fui convidado ao trabalho mais árduo de cortar a cachara congelada em postas. Só em casa de secretário de saúde do interior vc é convidado a cortar uma cachara semi congelada!

Após o esforço em grupo a cachara já na panela, e o cheirinho gostoso se espalhando pelo ar começei a me imaginar jantando o nobre peixe. O queijinho com azeitonas fazia à frente do jantar regado a uma conversa política sem fim. Já estando acostumado a este tipo de conversa, fiquei tranquilo e limitado a concordar com a cabeça e a sacar algumas pérolas da comunicação do tipo, É mesmo?!, quando a conversa ficava mais quente. A conversa ficava mais quente quando a mesma começava a criticar o antigo secretário da saúde o qual é um dos candidatos a prefeito da cidade e adversário direto do prefeito atual; e para melhorar é nosso amigo também. Em cidade do interior como a política está mais perto do cidadão parece que a disputa fica mais ferrenha ainda tomanda até dimensões de nível pessoal e permanecer neutro em meio a esta guerra é como estar na corda bamba, tem que se equilibrar!

O queijo acabou, a azeitona era só caroço e a Mujica de pintado acaba de sair do fogão. O cheirinho maravilhoso e o estômago se contorcendo absorvia o vapor como se já fosse parte do jantar. Servi meu prato e o sabor estava divino. Levemente apimentado e de sabor leve. A minha esposa não iria gostar já que não gosta de pimenta mas eu amei. Reguei o arroz com o molho, coloquei a posta mais merecida da minha vida, já que fui eu que cortei, no meu prato e me deliciei com o peixe. Comendo na cozinha mesmo, a conversa política deu lugar ao silêncio e tudo correu na sua mais natural ordem. O pai da secretária juntou-se a nós e deu início a uma conversa do tempo do ronca e fuça muito agradável que comentarei outra hora.

Saí satisfeitíssimo de lá, pronto para repousar e imaginando como a vida do interior me parece mais agradável, mais simples e até mais saudável.

Coisas de cidade do interior!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A planta


Olho para os meus pés e só vejo terra preta, posso ver também as unhas e a alça das minhas Havaianas de 5 reais, aquelas tradicionais de fundo branco, sola e alça preta. Acabo de chegar da Horta do posto de saúde da reserva indígena Portal do Encantado. Só saí de lá quando estava escuro demais para eu ver aonde eu pisava e como ontem matamos uma cobra, provavelmente do gênero Bothrops (jararaca ) pela característica do rabo fino e liso, cabeça triangular e olhos feito olhos de gato, fiquei com receio de encontrar a irmã da mesma passeando em meio aos alfaces, repolhos, rúculas e afins.
A cobra de ontem estava passeando bem embaixo do tanque de lavar roupa, o mesmo lugar que costumo escovar os dentes, abaixar o meu cabelo pela manhã e muitas e muitas vezes andar com as minhas Havaianas sem lanterna e sem nenhuma preocupação. Vale lembrar que estou em uma reserva indígena aonde a energia só se consegue depois que o gerador a diesel é posto em funcionamento.
Apesar de estar em uma reserva, encontrar cobras pelo caminho não é tão frequente quanto pensam. Neste ano por exemplo, esta deve ser a terceira ou quarta cobra que avistei.
Geralmente, quando encontro com biólogos que fazem pesquisa de campo em outra reserva que eu trabalho, os vejo usando suas botas até o joelho próprias para evitar acidentes ofídicos. E eu aqui, olhando para o meu pé preto de terra e minhas havaianas populares. Que tipo de proteção me oferece? Penso se a vida aqui na floresta não está me afetando e fazendo com que o mato se torne parte do meu ser.
Fora os dias próximos à dias que avisto cobras, ando livremente no meio do mato, de havaianas, por cima de folhas, tocos, caminhos estreito na mata, e em noites de lua cheia nem utilizo lanterna e até mesmo em trechos que sei a direção, ando sem lanterna até em noites sem lua aonde não se vê um palmo na frente do nariz. Será imprudência ou convivência? Já cheguei a quase pisar em cobras várias vezes mas nunca cheguei a pisar em nenhuma, sempre consigo ve-la antes e até mesmo fotografa-la se estiver com uma máquina na mão. Talvez a mesma razão que me faz andar no meio do mato sem bota e lanterna seja a mesma que impulsiona um pedestre que atravessa uma avenida movimentada na hora do rush em São Paulo. Ele sabe os riscos que corre, mas como conhece os riscos, se arrisca. A mesma razão que faz um saltador de queda livre, um surfista de ondas gigantes ou um morador de uma favela viverem tranquilos. Já viu um índio andando de botas no mato? Eu nunca, mas de Havaianas já, e muitos! Será que estou virando um habitante da floresta? Será que estou virando um bicho ou uma planta? Bem, pelos meus pés, deve ser uma planta..................

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Seu sebastião


Em minhas andanças pelo Brasil ouvi muita coisa interessante, muita coisa séria e outras engraçadas.
É de conhecimento geral que alguns indígenas, como muitos ditos brasileiros, tem problemas com o álcool. A necessidade de transcender a conciência tida como "normal" é uma busca constante e quase uma necessidade da sociedade, tanto a "branca" quanto a indígena. Anteriormente ao álcool, os indígenas utilizavam plantas e raízes em seus rituais para "elevar-se ao espírito" e procurar respostas no mundo espiritual aos problemas físicos ou pessoais que os afligiam. Hoje, muitos perderam estes hábitos e adotaram o alcool como "parceiro" nesta viagem. Obviamente, os efeitos colaterais do álcool são infinitamente mais maléficos do que o de plantas utilizadas antigamente, mas parece-me que a relação dos indígenas com o álcool é diferente da nossa.
Indivíduos alcoolizados são vistos com mais naturalidade, ou quem sabe, como se estivessem em um flashback ou um resgate dos momentos de pajelança do passado.
A pouco tempo ouvi uma estória que me fez pensar.
Pseudônimo, Sebastião. Seu sebastião encontrava-se em uma das festas de sua aldeia e como era de praxe com um Paribá, ou traduzindo do bororo para o português, ovo de ema, na mão. Este é o apelido dado a cachaça vendida em pequenos frascos plásticos lembrando um ovo de ema.
A festa era uma das grandes e até música ao vivo tinha. A banda tocava enquanto o sebastião tragava o Jorobukuru ( remédio ). E o mesmo movimento seguiu-se noite adentro.
Em um determinado momento no qual o espírito do sebastião já havia transcendido o céu ou pelo menos o limite da consciência, o mesmo olhou para a tomada que fornecia energia para as caixas de som da banda e simplesmente puxou o fio.
O povo que dançava o lambadão cuiabano, obviamente, não aprovou muito a idéia do sebastião mas limitou-se a reclamar e a religar o fio na tomada.
O indívíduo, não satisfeito, esperou apenas a distração geral e repetiu o movimento.
Novamente a indignação geral repetiu-se e a mesma atitude também.
Com o som tocando novamente e o povo rebolando alegremente, sebastião astutamente, puxou o fio outra vez.
Mas uma vez reclamações e som na caixa que a noite não pode parar.
Já na quarta vez, a atitude foi diferente. Simplesmente, pegaram uma corda, amarraram o sebastião a um dos pilares da palhoça, e o lambadão comeu o resto da noite, com um espectador em especial. O sebastião ali no salão de dança, amarrado e como se estivesse pedindo por isso, assistia a tudo, quieto; até adormecer apoiado pelos esteios de aroeira. E o povo na maior naturalidade, girando no salão enquanto seu sebastião sonhava com os tempos da pajelança.
Não faço apologia ao álcool e tenho conciência do seu poder destrutivo na sociedade. Apenas descrevo uma relação que me parece diferente, até se tornar dependência. A partir daí, é tudo igual..

Começando

Escrevo com os meus ouvidos e minha mente. Estórias que ouço, História que fiz e crônicas do que do que se passa pela ou por minha vida. Minha experiência vivida em nações indígenas e meu novo modo de ver as coisas que adquiri. O concreto vs a floresta. Idéias, conceitos e vida sob uma nova ótica.