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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

COISAS DE ALDEIA


COISAS DE ALDEIA

Um dos passatempos que mais me dá prazer é o de olhar fotos antigas.
De tempos em tempos, sento eu e minha filha e/ou esposa na frente do computador ( é; álbum de fotografia já virou coisa do passado) e a medida que as fotos passam, comentamos algumas entre risadas e suspiros.
Hoje olhei uma das minhas fotos e lembrei de um fato , no mínimo, inusitado para não dizer bizarro, o qual me remete a mais ou menos um ano atrás.
Os bororos são um povo com uma relação bem íntima com os animais. Não é difícil achar animais selvagens como porco do mato, araras e outros animais vivendo como animais de estimação.
Ao passar por uma das casas bororo, vi uma arara vermelha com o bico deformado que de tão recurvado tinha a sua ponta pressionando a lateral da sua cabeça. E como os bicos das aves funcionam como se fossem seus dentes e como aconteceu de eu me formar odontólogo, ao ver tal cena retruquei inocentemente:
- Leva lá no consultório!
Alguns meses se passaram e o fato para mim já estava esquecido.
Trabalhava atendendo pacientes e o último da fila veio enrolado em um pano como um bebê em um cueiro. Um bela tropa acompanhava o pequeno paciente e eu, julgando pelo alvoroço, já achando que seria alguma fratura dentária.
Ao olhar o rosto do paciente, uma surpresa! Penas vermelho vivo e um bico. Ele nem humano era!
De olhar um tanto assustado, olha para mim como que pedindo cautela. O rosto familiar não era nem rosto familiar e sim cara familiar. Era a arara do bico torto.
Pensei:
- E agora? Veterinário não sou.
Mais um olhar em direção a nossa ilustre paciente e imagino sua dificuldade para manusear ( peraí, manusear não é só para quem tem mãos??), ou melhor “embiquesear”( ficou esquisito!) suculentas castanhas. Seu sofrimento me compadece.
Resolvo:
- Se bico é dente e, neste caso, dente é bico, e ela não me bicar, seu “dente” consertado será. O máximo que poderia acontecer é ter que fazdr um tratamento de canal em uma arara. Acredito que seria o primeiro do planeta.
Ao me aproximar a paciente reluta e reclama com um típico reclamar de arara, AAAAAHHHHRRRR!
Ao ouvir o zunido do motor, a mesma parece aceitar o inevitável. Inicio o tratamento sem a paciente dar nem mais um pio e sem mais nenhum movimento. Penso:
- Isto é que é paciente modelo. Acho que estava começando a entender o que lhe acontecia. Enquanto sua “mãe” a segurava e a confortava eu recortava, esculpia e redelineava seu bico com uma broca 3080. Sem anestesia local, geral ou qualquer tipo de psicotrópico. Nenhuma reclamação.
Alguns minutos depois, estava ela, linda como veio ao mundo, com seu bico novo pronto para destroçar castanhas.
Meu dever ecológico estava cumprido para um mês inteiro..
Mais tarde naquele dia, pensava com os meus botões:
- Realmente , isto são coisas de aldeia! Só espero que o próximo não seja um porco do mato!!!!!rsrsrsrsrrs.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Pari Cachoeira


Pari-Cachoeira


Pari-Cachoeira é uma comunidade do Tiquié que já perdeu muito da cultura indígena. Extremamente influenciada pela igreja católica possui uma imensa igreja. Para piorar as coisas, um pelotão de fronteira se instalou no local e a presença dos militares terminou de extinguir o restante de cultura preservada existente. Uma das primeiras cenas avistadas durante a chegada em Pari além das construções da igreja católica são as cachoeiras da "cidade". As primeiras cachoeiras de todo o trajeto do médio Tiquié. Quando o rio está cheio,as
voadeiras cruzam as cachoeiras normalmente; quanto mais o rio vaza, mais difícil fica transpor estas.
Eu costumava passar o final de semana em Pari para poder telefonar para a família em São Gabriel da Cachoeira. Ficava no pólo-base de propriedade da Federação das Organizações indígenas do Rio Negro – FOIRN, localizado na beira do rio nesta comunidade. Sempre encontrava por lá a equipe de enfermagem do pólo ou qualquer outra equipe que estivesse transitando por lá. Durante o dia passeava pelas trilhas e conhecia as cachoeiras dos igarapés adjacentes. O pelotão se encontrava mais no interior da mata e possuía até pista de pouso para os Hércules, helicópteros e outras aeronaves. Atrás do pelotão, duas horas e meia de caminhada, se encontrava uma comunidade Hupda que só a pouco tempo, apesar da proximidade da grande comunidade de Pari, foi contatada pela equipe médica. Em um destes finais de semana, eu e a minha equipe preparamos o material e partimos com a nossa voadeira motor Yamaha de 15 hp.Uma hora e dez minutos separam a comunidade de Pari do pólo base aonde me encontrava que se chama São José II. Durante a viagem, as inúmeras curvas do rio Tiquié, vão dando o contorno a ser seguido por nós até chegar no obstáculo natural que são as cachoeiras de Pari.
Sempre que andava de voadeira andava despreocupado e o colete salva vidas era um artigo pouco usado e quando usado servia mais como almofada de assento já que o banco da voadeira não é nada confortável. Neste dia estava de coturno, calças compridas e camiseta. Havia esquecido o meu colete no pólo de São José II e não sei porque, desta vez logo após verificar que havia esquecido o meu colete fiquei um pouco preocupado. Com o peso do coturno nos pés e a calças ficaria muito mais difícil nadar e o peso dos acessórios serviriam como chumbo me levando diretamente para o fundo no caso de um acidente.
Segui mesmo assim o trajeto. Quando avistamos Pari Cachoeira, notei que o rio estava mais seco do que estava nos dias anteriores. O receio da violência aparente destas cachoeiras era contrabalançado pela experiência do prático nesta região. Já havia cruzado as cachoeiras com um motor de 40 hp, mas com um de 15 hp nunca. Ao anunciar que iríamos cruzá-las minha preocupação aumentou, mas mesmo assim brinquei perguntando se o meu saco de dormir serviria de colete salva vidas. O prático acelera e vai de encontro às águas revoltas. Diminuiu um pouco a velocidade em um remanso logo ao lado do despejo das águas. Tão perto assim as águas se tornaram ainda mais assustadoras. Ondas enormes se formavam ao nosso lado e somente um estreito trecho desta cachoeira era navegável. Naquela hora aquele estreito trecho me parecia intransponível, mas com já havia cruzado aquelas águas sabia que era possível. Acelerando a todo o "vapor" o prático sobe a cachoeira, à medida que sobe noto que o motor não responde direito e durante uns segundos a voadeira
não sobe mais. Aqueles segundos pareciam eternos. Neste momento a preocupação já se transformara em um anúncio de acidente. A proa da voadeira estava no topo da cachoeira e foi quando uma das ondulações que se formavam no topo desta atingiu a proa. A voadeira que seguia seu caminho mesmo que lentamente, agora começava a andar de lado e para trás. Ao olhar para trás para ver se ainda tínhamos alguma chance notei que só um milagre nos impediria de afundar. Três ondas enormes se encontravam em nosso caminho. Já navegando completamente sem controle a favor da correnteza, atingimos a primeira massa de água. Água entrando por todos os lados anuncia o nosso destino. Antes de atingir a segunda onda que era a maior de todas e com certeza viraria a nossa embarcação saltei em direção à margem do rio. Logo após saltar atingi algumas pedras no fundo e me agarrei nelas como quem agarra a sua vida. Escalei algumas pedras na margem e me vi em segurança. Ao checar para ver se os outros também estariam em segurança vejo a voadeira de cabeça para baixo presa nas pedras, vejo o auxiliar de dentista que me acompanhava no remanso com o seu aparelho de som na mão e apoiado em sua bagagem que boiava lutando para se manter na superfície, e vejo também o prático que era o único com colete sendo levado corredeiras abaixo.
Ajudo o ACD a sair da água puxando com as minhas mãos até as margens de pedra e logo após corro para ver se conseguiria salvar o resto das coisas. Como estava, de coturno e calça comprida e não teria coragem de cair com todo este peso na água, tiro estes e de cueca e sem camisa pulo na água novamente para tentar recuperar nossas coisas. A voadeira já havia se desprendido da pedra e o prático já havia agarrado esta mais abaixo. Os dois se encontravam em uma pedra no meio do rio e enquanto isto, nossa única lona descia rio abaixo. Pulo na água e nado de encontro ao nosso barco e o prático. Ao chegar lá este já havia virado o barco, e várias de nossas coisas que ficaram presas em baixo do barco virado estavam em cima da tal pedra. Olho para os meus pertences e fico mais tranqüilo de não ter perdido nada. Ajudo o prático a tirar toda a água do barco e durante este tempo já estava anoitecendo já que chegamos na cachoeira bem na hora do crepúsculo. Com toda a água fora do barco remamos com nossos pratos que conseguimos salvar e remamos até a lona que tinha ficado presa em uma pedra mais abaixo. O motor, todo encharcado, já não funcionava mais. Após salvar a lona remamos até a margem em segurança.
Ofegantes após tanto trabalho descansamos na margem para avaliar as perdas. Roupas completamente molhadas e rancho completamente úmido. Alguns arranhões apenas. A única perda mesmo foi a capa que cobria o motor e a caixa de ferramentas do prático que foram as únicas coisas que não boiaram.
Cansados e encharcados seguimos caminho até o pólo. A voadeira ficou em um porto abaixo da cachoeira. Apesar de cansado estava muito aliviado de não ter acontecido alguma coisa pior. Com as roupas completamente molhadas cheguei no pólo para descansar e encontro nossos amigos de Pari. Mais tarde descubro que acidentes assim são relativamente comuns naquela cachoeira e ouço estórias de diversos outros acidentes semelhantes.
Vou para o meu quarto lá neste pólo que é o consultório dentário e somente de cueca molhada penso sobre o que se passou. Após o acontecido dá até para rir, mas com certeza uma lição ficou disto tudo: - Por mais tranqüilo que um rio seja, este é imprevisível e é sempre bom VESTIR O COLETE SALVA VIDAS.....................

Por uma vida melhor


Por Uma Vida Melhor

Mais uma viagem de trabalho à Cucuí,contudo não foi menos marcante que as outras. Desta vez tive a oportunidade de testemunhar uma estória de vida triste que começa mais ou menos assim:
- Mais uma família se desfaz. A difícil arte de viver em matrimônio e dividir uma intimidade tão grande com outra pessoa às vezes completamente diferente, mais uma vez cria obstáculos tão grandes que a convivência em conjunto torna-se inviável. Os filhos gerados desta união confundem-se e sofrem por ver aquela família que lhe parecia perfeita se desmembrar. Na época ela tinha apenas 17 anos. A imaturidade da idade era compensada pelos calos adquiridos durante toda a infância e adolescência de criança pobre do interior Amazônico. Separada a pouco tempo do marido, mais uma vez em sua vida, ela se vê sem alternativas de como criar os filhos no meio de uma crise econômica tão grande como desta época.A Amazônia é ao mesmo tempo uma terra de pobreza e riquezas, oportunidades e desilusões. Muitas pessoas enxergaram no brilho de um metal amarelo chamado ouro um portal para os dias de glória, uma chance de mudar de vida, de sair da pobreza para a riqueza. Como muitos, Jaciara, vamos chamá-la assim, viu neste brilho uma chance de poder mudar e dar uma vida melhor aos seus filhos e a si mesma. A febre do ouro é forte, e mesmo grávida do ex-marido resolve arriscar-se como cozinheira em um garimpo na Venezuela.O deslocamento da sua cidade natal, São Gabriel da Cachoeira, até o porto do garimpo na Venezuela é demorado. Dias se passam e o desconforto da pequena embarcação deixa seu corpo dolorido. Finalmente chegam no tal porto. Como se não bastasse a parte mais difícil da viagem apenas começara. Às oito horas de caminhada, que separam o porto do garimpo ao local de
garimpagem encravado no meio da mata Venezuelana foram feitas por meio de trilhas aonde os aclives e os declives se alternam de tal maneira que o corpo já cansado da viagem, ficasse anestesiado com o peso da bagagem apesar do pequeno volume de roupas que possuía. Naquela trilha, 5 quilos pesavam como 30 kg. A umidade da floresta a sufocava e a respiração ofegante só era interrompida por pensamentos breves, mas encorajadores de que aquilo era só uma provação para um futuro promissor que a aguardava. À medida que subia o frio tomava o lugar do calor. Mesmo assim o suor escorria pela sua face. Ao chegar no local, a imagem do local a emudece. Homens em buracos enormes, cobertos de lama cavam a terra. Apesar do frio a lama parece servir de cobertor e o trabalho pesado ajuda a esquentar gerando calor em seus corpos. Homens com suas batéias e caixas de garimpo procuram encontrar um
pedaço de terra que dê bamburro (grande quantidade de ouro). Árvores centenárias vão ao chão dando lugar a poças de lama gigantescas. A floresta sucumbe ao poder destruidor da raça humana. Apesar da visão grotesca à frente de seus olhos, está segura de que seu futuro está aqui. Assume seu posto de cozinheira e nos momentos de folga utiliza a bateia alheia para conseguir algumas gramas a mais de ouro par si própria. Ao completar quatro meses de gravidez, ainda trabalhava. Uma das escavações a atraía mais do que as outras. Havia uma grande quantidade de ouro naquele buraco, mas este não estava mais sendo usado já que uma grande pedra ameaçava a rolar. O magnetismo do metal foi mais forte. Seus sonhos estavam se concretizando com a boa quantidade de ouro que havia conseguido e a possibilidade de conseguir mais e mais, a cegava diante dos riscos. Um dia, pegou a bateia e entrou naquele buraco enorme. Os pensamentos corriam em sua mente e apenas alguns minutos arriscando-se poderiam lhe valer mais algumas gramas de ouro. Enquanto recolhia mais ouro seus sonhos aumentavam. De repente, um estrondo! Ao olhar para cima vê seus sonhos desabarem junto com aquela pedra e mais alguma quantidade de terra. O instinto de sobrevivência lhe vem à tona e a fazem se movimentar pela sua vida. Não havia mais tempo! Seus sonhos desabaram com toda a força que eles tinham, junto com aquela pedra bem na área da sua cintura. Alguns dizem que logo após o acidente, já morta, ainda parecia procurar um meio de sair dali e sobreviver. Devia estar pensando, eu sou tão jovem! Ainda não é minha hora! Quero encontrar meus filhos! Quero sair daqui! Não adiantou! O peso era muito grande e esmagou-lhe a sua vida e a vida que estava dentro de seu útero à espera de nascer. O caminho de volta para casa não foi tão cansativo para ela. Carregada pelos seus dois parentes do garimpo, não mais teria que andar. O corpo já não mais sentia as dores ao ficar horas no chão duro da voadeira (barco de alumínio). Enquanto isto, seu corpo aumentava de volume já que os gases da putrefação faziam pressão sobre a sua pele. Foi aí que eu, Eduardo e ela, Jaciara - Vamos chamá-la assim - nos encontramos. Aqui na fronteira do Brasil com a Venezuela, no posto da polícia federal. Sua face de cor arroxeada deixava transparecer a difícil vida pregressa que levara. Apesar da vida difícil, estava claro que não deixava de se cuidar. Ela era vaidosa! Mesmo morta via-se sobrancelhas bem feitas e pintadas, e a marca do batom borrado misturado ao sangue que outrora escorrera da sua boca e nariz.
Vi seus sonhos ruírem naquela face moribunda e naquele corpo putrefato. De volta para casa, "Jaciara", de origem indígena, voltaria com a voadeira do distrito no qual eu trabalho de encontro aos seus filhos. As poucas gramas de ouro conseguidas - total de 200g - nestes meses de trabalho serviriam para amenizar a perda e dar um pouco mais de conforto a sua família durante pelo menos um tempo.
Já Jaciara, junto com seus sonhos, teria que se despedir de seus parentes da pior forma possível e quem sabe, conseguir uma vida melhor em outro plano perto de outros parentes que também já se foram.Poucos conseguiram o tão sonhado sucesso prometido pelo ouro, muitos não. Muitos acabaram igual Jaciara, sem sucesso, sem sonhos, sem vida................

TEMÍVEL CASTANHO


TEMÍVEL CASTANHO

Mais uma aventura nas entranhas da Amazônia. Divirtam-se!!!!!!
A artéria do noroeste amazônico, o rio Negro, é a principal via de transporte para o interior cheio de vida desta região. Dele partem artérias menores que são seus afluentes até chegar aos capilares da floresta, os igarapés.
Nosso destino já estava traçado, e lá pelo dia 07 de setembro de 2003,
faríamos todo o caminho até chegar a estes capilares. Primeiro subiríamos o
Rio Negro até o ponto aonde ele se encontra com a foz do Rio Uaupés, que é um muito importante e habitat de grande parte das etnias da região. Seguiríamos caminho através do Uaupés e entraríamos em outro afluente importante, o Rio Tiquié. Rio Tiquié, casa da etnia mais respeitada e influente, os Tukanos. Estes estão no topo da hierarquia das etnias segundo a mitologia regional indígena.
Rio de inúmeras curvas, alguns dizem que são 300 o total de curvas, o que faz dobrar o tempo de viagem. Rio de cor castanha, diferente dos demais rios da região de cor predominantemente negra.
Até o nosso destino, o pólo-base de São José II neste mesmo rio, foram 1 dia e meio de viagem pernoitando no rio Uaupés, no pólo-base de Taraquá. Ao chegarmos em São José II, muito cansados da viagem, nos deparamos com os 92 degraus de escada , encravada na beira do rio por onde teríamos que levar todos os nossos pertences até o topo. Material como rancho, botija de gás, roupas, material odontológico e galões de gasolina que teríamos que subir até o pólo. Quase enfartei quando vi aquilo. Mais tarde soube que muitas das comunidades que atenderia no rio Tiquié se encontravam no topo de elevações muito parecidas com aquelas. Tentei aliviar o pensamento dizendo que seria uma boa oportunidade para fazer exercícios.
Antes da viagem para o Tiquié já me prepararam que aquela era uma das áreas mais extensas e difíceis de toda a área do distrito de saúde indígena, mas não devido ao rio Tiquié, e sim a um igarapé de nome Castanho, o temível castanho e outros igarapés. Descobrimos mais tarde que este curso de água é a razão pela qual o Tiquié tem suas águas de cor castanha já que este deságua no rio em questão.
Na primeira oportunidade após um descanso estratégico, conversamos com a equipe médica para verificar as condições do igarapé e checar se seria possível seguir todo o seu trajeto. Se conseguíssemos chegar até a última comunidade seríamos a primeira equipe odontológica a chegar por via fluvial para o atendimento. As outras viagens foram feitas em missões aéreas.
As comunidades deste igarapé são de origem diferente da dos Tukanos, ribeirinhos do Tiquié. Em sua maioria são Yohupdas, que junto com os Hupdas da margem direita do rio Tiquié e os Dow, no Rio Negro, formam o tronco lingüístico Maku, ou melhor dizendo, Japurá -Uaupés. Maku é um termo pejorativo considerado ofensivo por eles e que a tradução deste é evitada. Possuem esta denominação de Japurá - Uaupés já que vivem entre os rios Japurá, afluente do Solimões e o grande Rio Uaupés. São povos seminômades, exímios caçadores e conhecidos por muitos como os "senhores dos caminhos". Transitam entre suas comunidades e chegam a passar dias andando na floresta. Vivem no interior da floresta, afastados das margens dos grandes rios, ao contrário da maioria das etnias da região.
Trabalhar com saúde indígena sem possuir um conhecimento prévio do modo de vida destes povos e a sua cultura é ignorar todo um povo e suas tradições, é o mesmo que pedir para que seu trabalho não seja bem vindo na região. Através de um curso de antropologia, leitura sobre a região e a área aonde iria trabalhar e conversas com amigos passei a conhecer e respeitar o modo de vida deles e assim creio eu que passei a ser respeitado por eles. Pode acreditar que se eles não forem com a sua cara, exigirão nos conselhos distritais que a sua pessoa se retire de lá.
Voltando aos Yohupdas, são uma etnia mais arredia, que pouco se interessa pela influência e arrogância de nós "brancos". O contato mais freqüente com esta etnia está apenas começando e eles ainda são um pouco desconfiados.
Iniciamos nossa jornada rumo ao interior do igarapé alguns dias após a nossa chegada em São José II. No mapa dava para ter uma certa noção da grande extensão deste igarapé, mas de maneira alguma conseguiria imaginar o que estava por vir olhando apenas no mapa. Logo na foz do nosso amigo, Castanho, a cor castanha do curso de sua água se acentua e um boto nos recepciona o que denuncia a quantidade maior de vida animal presente no local. Os animais selvagens, devido a um maior número de habitantes nas margens dos grandes rios, são caçados em maior número, e por isso adentram o interior da floresta na tentativa de se protegerem. Era para aonde nós estávamos indo, na direção dos animais. Não é a toa que o maior número de acidentes com animais peçonhentos se encontram nas populações Yohupda e Hupda.
Jararacas são freqüentes e a tão temível surucucu se encontram na região. Esta última só se encontra bem no coração das florestas e você, não queira encontrar numa destas. Cobra que chega a medir alguns metros, extremamente agressiva, de comportamento territorial ou seja, se alguém invadir seu território e esta não estiver de bom humor no dia, ela é que vai te buscar, sem que você precise sequer passar perto. Dá o bote uma vez e espera; se a "presa", no caso você, se mexer é outro bote na certa. Possui veneno que tanto dá necrose tecidual quanto tem ação neurotóxica e é aí que mora o perigo. Em grande parte das mortes ocorridas por animais peçonhentos, a responsável é a surucucu . Pior do que ela só a coral, que parece uma cobra de brinquedo, não dá o bote, possui a boca pequena e não consegue abocanhar áreas grandes, mas se for picado por uma delas, no dedo ou no calcanhar, e não tiver socorro por perto é melhor já ir cavando a própria cova, por que dentro de umas duas horas já deve estar conversando com o nosso Senhor todo poderoso, ou com o rival dele.
Após as nossas boas vindas dadas pelo boto, outro elemento muito importante nos igarapés já mostra que está lá para atrapalhar, atrasar ou impedir nosso caminho até o final do igarapé. Nossa voadeira, agora menor que a anterior e com um motor 15 HP, atinge um tronco submerso nas águas turvas do castanho, sem maiores danos. À medida que adentramos o igarapé a vida se revela de diversas formas durante o trajeto. Mais botos, cor de rosa ou não, lontras (ariranhas), araras, papagaios e aves de diversos tipos estão nos acompanhando nesta jornada. Quanto mais entramos mais estreito o igarapé fica.
Paramos na comunidade de Santa Rosa, de origem Tukana, para pedir ajuda ao agente de saúde indígena daquele local. Ninguém da minha equipe havia entrado no castanho antes e nós precisaríamos dele mais tarde como tradutor da língua, já que os Yohupda em geral não falam o português. O agente de saúde, Anacleto, concorda em seguir viagem conosco.
Passando a comunidade de Trovão, na metade do caminho, o igarapé , que antes era até razoavelmente largo, estreita-se de tal forma que certos trechos possuem pouco mais do que a largura da voadeira. A luta entre a floresta e o rio se torna evidente. A floresta tentando retomar o que foi tomado pelo leito do rio e o rio por sua vez na tentativa de resistir a esta ação. Troncos de árvores grandes deitam-se sobre seu leito, árvores menores e suas copas pedem espaço para poderem alcançar um raio de sol sequer naquele cobertor de folhas densas que são as folhas das árvores de maior porte. E os habitantes destas copas e troncos, à medida que passamos insistem em pegar uma carona. Aranhas, besouros, kabas (um tipo de marimbondo) e até sapos caem nas nossas cabeças cada vez que a voadeira toca em uma destas copas. Passando por baixo de troncos e às vezes até por cima destes a ponto de termos que empurrar a voadeira ou a cortar os troncos menores com um machado, abrimos caminho entre a vegetação e as curvas do igarapé. Aliás, muitas curvas! Estas formam um labirinto de pequenas entradas em que o caminho correto a seguir só é denunciado pelo suave movimento da correnteza.
Paramos na beira para um almoço breve e 10 horas depois de nosso início de jornada conseguimos chegar à inatingível São Felipe. Após alguns tombos, do auxiliar e do AIS, na água e muitos troncos depois, chegamos ao nosso destino. Apesar desta ser a comunidade mais distante de todas elas, ela é de origem Yepamaçan que são parentes dos Tukanos. A recepção foi calorosa com um jantar de quinhanpira (peixe com pimenta), curadá (um tipo de beiju feito de goma de tapioca, delicioso!) e farinha. A culinária local é basicamente constituída destes elementos e outros derivados da mandioca e mais algumas frutas e caças da região. Como não tem geladeira, a caça e a pesca, são conservadas moqueadas, ou seja, ficam a noite inteira debaixo de uma fogueira em brasa aonde desidratam e desta maneira consegue-se conservar a comida por mais tempo. Algumas das comidas locais apesar de bastante simples são muito saborosas. A paca moqueada ou cozida é uma delícia e o jacaré é outra especiaria que vale a pena saborear. Larvas de Kaba, apesar da aparência, também são saborosas e deixam um gostinho doce na boca.
Dormimos em uma maloca, completamente aberta, em uma noite fria. Se não fosse meu saco de dormir a noite não teria sido boa. Pela manhã, atendimento tranqüilo e pude exercitar um pouco do meu Tukano, já que necessitar do tradutor toda hora em que você precisa falar alguma coisa é muito cansativo.
Terminado o atendimento arrumamos nossas coisas para a jornada de volta. Paramos na comunidade Hupda de Guadalupe para atendimento. Casas bem simples e 2 pessoas para o atendimento. Após o atendimento voltamos para o igarapé para continuarmos a viagem. O caminho de volta parecia ser outro. O nível de água do igarapé havia subido um pouco o que muda o perfil do trajeto. Troncos que antes estavam aparentes agora estavam submersos, troncos que antes havíamos passado por baixo, agora teríamos que cruzar por cima. Em um destes troncos que a voadeira passou por cima, foi a minha vez de dar um mergulho nas águas do igarapé. Cortando alguns galhos com o meu facão, ou terçado, que é um termo mais usado localmente, perdi o equilíbrio e caí. Todo encharcado seguimos caminho.
A partir deste instante, parece que Boraró, o terrível espírito das florestas que ataca as pessoas com dardos e flechas mágicas, acordou. O céu, antes claro, se tornou cinza. O vento começou a soprar forte, o que na Amazônia sempre indica que vem tempestade por aí. As copas das árvores mais altas começaram a balançar furiosamente. O ranger dos troncos encostando uns nos outros soa alto e a imaginação começa a trabalhar vendo uma daquelas árvores gigantescas caindo sobre a minha cabeça. Gotas grossas começam a cair e logo após o céu desaba produzindo aquelas chuvas que só o equador pode produzir. Eu que já estava todo encharcado me molhei mais um pouco. A viagem com aquela chuva que chega a machucar pareceu não ter fim. Mas como quase todas as chuvas torrenciais por aqui, após alguns muitos minutos já haveria se extinguido e a próxima comunidade para o atendimento já estava próxima.
São Joaquim era esta próxima comunidade. Originalmente de etnia Yohupda eles se abrigavam em casas minúsculas de palha sem parede e com quase nenhum pertence à vista, somente uma pequena fogueira no centro de cada casa, alguns cestos e algumas redes eram vistos. Desembarcamos na comunidade e a chuva resolve nos perturbar de novo. Abrigo-me em uma das cabanas e tenho como companhia um gato, um cachorro e meu auxiliar. A chuva continua caindo forte, e as goteiras da casa aparecem e me fazem pensar como aquelas pessoas dormem ali em uma noite fria e chuvosa. Ao mesmo tempo em que a brasa é soprada pelo vento e ganha força, a goteira que cai sobre o centro da mesma a faz diminuir de intensidade.
O tempo passa e a chuva se vai do mesmo jeito que chegou, em um piscar de olhos. O atendimento é feito em uma casa com telhado de zinco tão cheio de furos que mais parece uma peneira. Ainda bem que a chuva se foi! Seguimos caminho logo após o atendimento para pernoitar na comunidade de Trovão.
No pé de uma serra esta comunidade de ares serranos nos recebe com a tão famosa e consumida quinhampira, de queimar os lábios. À noite, atamos nossa rede em uma escola feita de barro e madeira. Trovão era a última comunidade do Castanho a possuir radiofonia. Ao deitarmos na rede podíamos ouvir o “mosaico “ lingüístico do rádio. Baniwas, Tukanos, Wananos, Karapanãs, Barés e tantas outras etnias se comunicam através do único meio de comunicação entre eles aqui na floresta, o rádio. A comunicação é feita na língua nativa e a interferência de uma rádio colombiana na freqüência complica ainda mais o entendimento das línguas. O sono vem e adormeço na rede quentinha dentro do meu saco de dormir.
Após esta comunidade as coisas se tornam mais fáceis, e os outros dias passamos sem maiores problemas. Final de semana, e finalmente chegamos no pólo base. Descanso para variar um pouco, para me preparar para a próxima semana, em que teremos que enfrentar o igarapé Taraquá, a caminhada mais longa do médio Tiquié..............

Cucuí II


CUCUÍ II

Domingo em área geralmente é um dia de descanso. Alguns vão se confraternizar com seus vizinhos, outras pessoas andam para conhecer a região e outras apenas deitam em suas redes e deixam o tempo passar. Nós escolhemos uma opção alternativa, subir a serra de Cucuí.
A serra de Cucuí, como já foi falado, é uma imensa montanha de pedra encravada no meio da floresta amazônica. De um lado a Venezuela, do outro o Brasil e do outro lado do rio a Colômbia. Na noite anterior, todos resolveram sair para dar uma volta. Eu, que estava cansado e queria guardar energia para subir a serra, fiquei no pólo. Armei a minha rede lá fora na varanda e por lá mesmo fiquei a noite toda e todas as outras que se seguiram. Acordo às 07h00min h com o meu prático avisando que o nosso guia já estava no pólo para negociarmos um preço. Acordei, e feita à negociação foi combinado que por R$ 20, 00, 2 quilos de charque e 3 litros de gasolina ele nos levaria até o pico da serra. Enquanto nos arrumávamos, o nosso guia, o Betão, foi em casa pegar seu rifle para o caso de encontrarmos alguma caça. Segundo ele, mutum (um pássaro), queixada (porco), veado, inambu (um tipo de galinha), paca, cutias e uma onça negra rondam a área. Partimos lá pelas 08h30min h da manhã de voadeira com motor Yamaha 25 Hp, emprestado já que o nosso motor Honda 30 Hp estava avariado.
Durante o trajeto fizemos uma parada estratégica no pelotão de fronteira do exército Venezuelano para pedirmos permissão para entrarmos na Venezuela já que pelo lado Venezuelano a subida é mais rápida. Após uma conversação rápida, entre o guia, já conhecido por eles, e o tenente do pelotão fomos liberados. Entramos com a voadeira em um igarapé logo após o pelotão Venezuelano. Alguns minutos depois, motor desligado e remo na mão para continuarmos adentrando o igarapé. Atingimos terra firme e iniciamos nossa caminhada rumo a serra. A trilha me fez lembrar a subida da montanha da Bela Adormecida nas imediações de São Gabriel da Cachoeira. Floresta muito fechada onde mal se consegue ver o sol, extremamente úmida e tantas folhas pelo chão que chegam a embaralhar a visão durante a caminhada. Alguns minutos de caminhada e começo a ver a razão da arma do nosso guia. Ele nos mostra diversos rastros de animais até fáceis de identificar. O rastro do veado são pegadas mais profundas devido ao peso do bicho e seu casco pontudo se vê perfeitamente na lama, o rastro da paca é bem mais suave com os seus dedinhos desenhados no chão; o rastro do porco queixada que vai fuçando e marcando um caminho de folhas reviradas e até tinha uma pegada da tão temida onça que mais parece a de um gato super desenvolvido.
Durante a caminhada só rastros, o som de alguns pássaros trovão que estão sempre presentes na floresta amazônica e outros pássaros. O que nós menos esperávamos apareceu depois de mais ou menos uma hora de caminhada. Todo mundo enfileirado na trilha, e de repente o filho do guia, Ederaldo, e a minha auxiliar, logo a minha frente, dão um pulo . Ele pula para frente e ela pula para trás com um grito. O filho do guia havia passado por cima de uma cobra Jararaca e quando ela deu o bote ele pulou . A cobra errou o bote e apenas sumiu. Como nenhum de nós havia visto para aonde a cobra foi, a parte da trilha aonde ela havia sido vista estava praticamente interditada. As folhas camuflam muito bem cobras e outros animais tornando muito difícil a localização destes. Ficamos divididos por um tempo. O guia e seu filho de um lado e eu, minha auxiliar e o prático da voadeira atrás. Pego o meu facão, corto uma das árvores que estavam ao meu lado e com a ponta do tronco vou tateando a trilha e os arredores para verificar se a cobra ainda estava lá. Tudo OK! Seguimos nosso caminho.
A partir de agora a caminhada começa a ficar mais difícil. O terreno, cada vez mais íngreme e pedregoso nos faz suar e ficar ofegantes. Uma coisa que incomoda dentro da floresta é que o suor molha a roupa toda e esta nunca seca devido a umidade da floresta. A floresta acaba e um paredão imenso de pedra se ergue a nossa frente. Na hora pensei, onde está a corda de segurança. Logo minha pergunta seria respondida. Vi o guia e seu filho tirando suas sandálias havaianas e falando que era melhor fazer assim, pois o pé agarram melhor nas pedras. Pensei, Ah bom! Assim eu vou! Meu prático tirou o seu coturno e só eu mantive o meu coturno. Segundo o guia, o meu tipo de coturno tinha um solado emborrachado macio que aderia melhor nas pedras. Pude verificar a veracidade do fato logo após o início da subida. Meu coturno realmente aderia nas pedras, qualquer tênis de solado liso e duro estaria contra indicado para aquela subida.
Durante a subida, a visão maravilhosa do tapete verde que é a floresta e uma leve tremedeira nas pernas devido ao medo de me esborrachar lá em baixo.
Subi já pensando como iria descer aquilo. Pegamos mais uma parte de mata, com um pequeno riacho correndo entre as pedras cada vez maiores. Minha visão parou em um paredão de pedras enormes empilhadas umas nas outras e algumas fendas entre elas. Mais à frente encontramos um crânio humano é encontrado no meio das pedras. Reza a lenda local que é de um homem que na passagem do ano de 1999 para o ano de 2000 disse que o mundo iria se acabar e ele foi se acabar lá de cima antes do mundo. O guia pergunta: Onde está a lanterna? Lanterna na mão, o nosso guia indica aonde iríamos atravessar. Uma das fendas que havia visto nos serviria de passagem. O guia vai à frente iluminando o caminho que seria impossível de se ver sem a lanterna. Lá dentro daquela fenda estreita mas suficientemente grande para caber uma pessoa agachada, mais e mais pedras empilhadas uma nas outras. Seguimos um caminho curto de mais ou menos 3 minutos com morcegos sobrevoando as nossas cabeças até ver a luz novamente.
A trilha continua cada vez mais inclinada. Vejo uma corda mais à frente presa em uma árvore pequena no alto de uma fenda entre duas pedras. Este seria mais um obstáculo para se transpor. A corda possuía nós para dar mais firmeza na pegada. As costas iam de encontro a uma das pedras e os pés na outra pedra. Entre um puxão e outro encostávamos nossas costas contra a pedra para descansar. Feito isto, subimos todos. Cheguei a pensar que a Rose, minha auxiliar, não conseguiria já que a subida demanda uma certa força no braço. Esta me surpreendeu, subiu apesar das dificuldades. Mais à frente, outra corda. Esta estava em uma subida inclinada de pedra molhada. O único perigo era escorregar. Esta era uma subida mais tranqüila do que a outra. Todos, lá em cima, a corda foi removida. Iríamos precisar dela mais tarde. Muitas e muitas pedras, árvores e folhas mais à frente, encontramos outra parede de pedras. O guia inicia a tentativa de laçar a árvore na parte superior da parede de pedra, enquanto o prático inicia uma escalada de 90 graus logo ao lado. Primeiro sobe até uma concavidade na pedra, depois puxa uma vegetação logo acima que serviria de alavanca para o impulso que ele tomaria para segurar em uma fenda na pedra ainda mais acima. Feito isto, ele se agarra na pedra e atinge a vegetação e consegue subir o paredão sem corda. Bem, isto não estava nos meus planos então esperei que a corda fosse instalada para a minha subida. Subi com uma certa dificuldade, mais depois de tantas escaladas já estava até me acostumando. Andamos mais um pouco e a recompensa veio . Uma visão completa da floresta inteira.
Do lado Venezuelano a visão da planície e algumas serras mais ao fundo. Do lado Colombiano a visão de Guadalupe, uma vila que segundo nossos companheiros é de domínio das FARC e mais floresta. Do lado Brasileiro uma visão parcial de Cucuí, o Rio Negro e mais ao fundo a imponente serra aonde está localizado o pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil. Lá na terrinha dos nossos amigos Yanomamis. Isto me fez pensar que um dia estarei lá em cima, se Deus quiser! Lá no topo ficamos admirando a beleza ao nosso redor e ouvindo conversas. Uma das estórias contadas, é sobre como as FARC forçam meninos de 14 anos ou mais, da região a servir seu exército. Contaram também que algumas pessoas depois que visitam as vilas dominadas pelas FARC podem ser forçados a se casar com as mulheres que servem as forças revolucionárias. Se o cara bebe e depois promete se casar com a mulher só para levar ela para cama, isto serve com uma sentença, já que depois se o cara volta atrás os homens do exército forçam você a se casar sob o risco de virar adubo de floresta no caso da resposta ser negativa. Meu guia durante estas conversas relatou que já foi picado por Jararaca duas vezes. Nas duas vezes não usou soro antiofídico, apenas "remédio do mato" como falam por aqui em relação às plantas medicinais da região. Relatou também vários casos de parentes e amigos que nunca usaram soro. Após 30 minutos lá em cima , resolvemos descer.
A descida me pareceu muito mais tranqüila. Não sei se é por que eu já havia passado por todos aqueles obstáculos ou se porque era mais fácil mesmo. Caminho de volta tranqüilo, deu para aproveitar melhor os sons da floresta e sem jararacas no meio do caminho chegamos todos bem na voadeira. Parada estratégica no marco de fronteira da Colômbia com o Brasil para fotos e mais uma parada no pelotão de fronteira da Venezuela para fotos e fazer amigos. Ofereci meus serviços odontológicos a um pelotão que não tem qualquer assistência médica ou odontológica. Sempre que precisam eles vêm para Cucuí, do outro lado da fronteira, para atendimento. Volta para Cucuí. Almoço na casa do seu Martinho, é na casa dele que fica a base do rádio em Cucuí, um churrasco e volta para o pólo para descansar. Amanhã tem trabalho novamente.........

Diário de Cucuí


DIÁRIO DE CUCUÍ

A saída que estava programada para terça-feira, dia 1 de julho de 2003, só foi acontecer na quinta-feira, dia 03, na parte da tarde devido a atraso dos medicamentos. Conseguimos embarcar nossos pertences lá pelas 14h30min h.
Depois disto, a parte mais difícil da partida, a despedida da minha família. Sem saber se a minha filha teria consciência do que estava acontecendo, dou um beijo e um abraço nela e desejo que na sua cabecinha tudo fique claro que vou mais eu volto. Em relação a minha esposa, fico mais sossegado já que sinto que ela está mais tranqüila e madura. O que me corta o coração é que o meu tempo com elas foi muito curto, mas tentarei compensar na volta.
O prático, Lopes, liga o motor Honda 30 Hp e acelera. Logo no início notamos que o motor tem algum problema. Está muito lento e neste ritmo a viagem será mais longa. Durante o trajeto, muito verde, algumas comunidades e sítios isolados no meio da mata. De repente, o prático levanta-se do banco do barco para ter uma visão melhor das águas do rio à nossa frente. Logo diminui a velocidade e o motor apaga. Foi aí que eu e a minha auxiliar, Rose, vimos o problema. Um rebojo (redemoinho) dos grandes bem à nossa frente. A voadeira segue seu caminho com o motor desligado em direção ao rebojo. Atingimos o redemoinho de frente, e a voadeira que estava muito pesada embica em direção a coisa. Bate o bico no centro e quase "alaga". A voadeira gira enquanto seguro firme na borda e no carote de gasolina vazio ao meu lado. Ficamos um tempo ali, meio tenso enquanto o prático tentava acionar o motor novamente. Motor funcionando, saímos daquela situação e a tranqüilidade volta. O motor continua lento, e nosso destino para pernoitar, a comunidade de Juruti, parece cada vez mais longe.
Anoitece e nada de chegar. Decidimos continuar já que, segundo Lopes, a parte do Rio Negro que estávamos navegando era tranqüila e sem pedras aparentes nesta época do ano. A Lua crescente iluminava parcialmente a escuridão noturna. Seguimos caminho até encontrarmos uma luz no meio da floresta. Navegamos pela beira do rio e o morador, que já havia ouvido o ronco do motor , chega na beira com uma lanterna. Logo que diminuímos a velocidade o motor apaga de novo. Conversamos com o morador e o nosso destino está a cerca de uma hora do ponto onde estávamos. Naquele breve momento logo após a resposta, o silêncio se instala e ouvimos um barulho de corredeira. A velocidade da voadeira, que estava parada com o motor desligado começa a aumentar, ou seja, estamos sendo puxados pela correnteza para as cachoeiras. Mais um breve momento de tensão ocorre quando aquele bendito motor se recusa a ligar. Novamente, depois de algumas tentativas o motor pega e a tranqüilidade volta. O rio à noite parece bem tranqüilo de dentro da voadeira, mas só a idéia de estar dentro dele, à noite, no escuro e nomeio de uma floresta aonde a comunidade mais próxima pode estar à meia hora de voadeira é de arrepiar.
Continuamos nossa rota até Juruti e depois de várias luzes no meio da mata chegamos a tal comunidade. Uma das coisas que me impressionou muito é que muitas das comunidades do Rio Negro possuem gerador e conseqüentemente luz elétrica até às 22h00min h, ou até o diesel acabar.
Seis horas após a nossa partida, finalmente chegamos ao nosso destino. Cansados, com as costas e a bunda dolorida daquele banco nada confortável do barco, nos instalamos no pólo-base. Estavam no pólo, a equipe do Gilberto e os técnicos de enfermagem Moisés e seu amigo. O pólo base de Juruti é bastante confortável. Naquela noite parecia um hotel cinco estrelas. Televisão, geladeira, freezer, cama e até banheiro com chuveiro e privada. Era tudo que eu precisava! As camas eram duas, e eu e Gilberto, como bons cavalheiros, deixamos as duas auxiliares dormirem nelas enquanto ficávamos nas redes. Desconfortável!!!! Que nada! O cansaço me fez dormir como um bebê naquela rede e só acordar no dia seguinte revigorado.
Na manhã seguinte, a mesma novela, o tal do motor que se recusa a funcionar. Depois de muita insistência, o vencemos pelo cansaço. Aliás, cansaço era o que nos esperava já que com o nosso motor avariado, foram mais seis horas até nosso próximo destino, Cucuí.
Cucuí fica bem na tríplice fronteira do Brasil, Venezuela e Colômbia. Do Rio Negro a vista de Cucuí é linda. Uma pequena cidade aos pés de uma imensa montanha de pedra. Parte desta montanha fica do lado Venezuelano. Antes de entrar em cidade tivemos que fazer uma parada obrigatória no posto de fronteira do exército. Nada demais! Nosso prático que havia servido o exército e conhecia alguns militares nos fez atravessar sem documentos e sem revista. A chegada na sede de Cucuí foi tranqüila. Duro foi carregar 8 caixas de pastas de dente cada uma pesando quase 13 Kg, 5 carotes de combustível, mais várias caixas contendo rancho e material odontológico até a casa que nos servia de pólo-base.
Passada a malhação com a nossa bagagem, recebemos a visita ilustre de uma vizinha. Uma arara azul e amarela que voa pela região e até vem comer na nossa mão. Mais tarde, recebo outra visita. A agente de saúde de Cucuí chega e me ajuda a planejar as ações da semana que irá seguir. Uma coisa que me impressiona nas cidades pequenas é a velocidade com que as notícias correm. Duas horas depois da minha chegada já havia pessoas à procura de atendimento. Atendi a todas elas e resolvi tentar contato com minha família. O único orelhão que funcionava na cidade ficava no pelotão de fronteira o qual estava distante do lugar onde estava. Pensei um pouco mais de malhação não me fará mal. Andei, liguei e não consegui. Voltei ao pólo. Bebi uma coca cola, comi um pedaço de frango e enquanto escrevia este texto, conversava com meu prático o qual contava suas estórias do tempo em que ele servia o exército e antes disto. Do tempo em que ele carregava carotes clandestinamente do lado Venezuelano para revender em São Gabriel da Cachoeira, ao tempo em que ele fazia apreensões de cocaína pelo exército quase "sem querer querendo" segundo ele. A noite cai e logo adormeço na rede. Preciso estar preparado para o dia de trabalho de amanhã.

Estou juntando os blogs

Amigos, para não ter que administrar 2 blogs, a partir deste momento estarei passando algumas todos os textos do outro blog que tenho com estórias do Amazonas para este. Logo após terminar o endereço deste blog irá mudar para www.cronicasdafloresta.blogspot.com.
Agradeço desde já pela compreensão.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

SEXTA FEIRA 13


SEXTA FEIRA 13

Nunca fui um cara superticioso, até então. Até então!!!!
No dia anterior ao dia fatídico o carro tinha quebrado e não havia veículo para me levar ao trabalho, mas considerei isto sorte e não azar.
Acordei às 5:30 da manhã para adiantar uma matéria do curso de especialização que faço pela internet sem ao menos vislumbrar que dia seria hoje. O dia começou bem e até consegui acessar o site do curso e fazer parte das tarefas. E foi só! O dia começou depois das 6:00.
Depois dos afazeres parti para o meu banho matinal e descobri que estava sem sabonete, até aí tudo bem! Usei o sabonete da minha prima e pensei em compra-lo quando fosse no Atacadão, o supermercado mais barato da cidade.( começou com o papo de pobre de novo!)
Parti para o supermercado e depois de pagar percebi que tinha esquecido de comprar o sabonete; até aí tudo bem, nada de ruim!
Saí do supermercado com o motorista da uniselva, o qual me deixou perto da Citylar, onde compraria mais tarde um ventilador. Estava com pressa ,no entanto resolvi passar no camelódromo para comprar uns DVD´s a incríveis R$ 1.25. Impressionante como eles conseguem.( Olha a pobreza aí novamente). Estes dias, assisti a um filme que nem tinha saído nos cinemas ainda, e é claro que a imagem estava uma merda mesmo! Na hora de pagar, me faltou troco. Até aí nada de espantoso!
Parti do camelô, na maior correria pois já me encontrava atrasado e fui para a casa comercial. Cheguei de supetão e mandei na lata; qual o ventilador mais barato que você tem aí? ( Olha o papo de pobre novamente!). Falei isto para ver se acelerava o processo.
Ela respondeu:
- 60 reais.
Falei:
-É este mesmo.
A vendedora perguntou:
- CPF?
Respondi prontamente:
- 13486349873466454467.
Ah! O seu cadastro está desatualizado, vamos atualizar?
Respondi:
- Não estou com pressa, faz no seu nome mesmo. Isto porque sem a atualização o programa não permitia que concluísse a minha venda.
Então digitou:
- Ariadine, ou coisa parecida. Forma de pagamento?
Falei:
- Crédito. ( Ultimamente, sempre pago no crédito. Vc sabe; rende milhas aéreas! Faço isto mesmo sabendo que milhas aéreas são coisas de pobre. Se bem que coisa de pobre seriam milhas terrestres ou milhas pedestres e não aéreas.)
Na hora de pagar lembrei que o cartão de crédito meu estava com a minha esposa maravilhosa, Cinthia, em outro estado. Lembrei que tinha outro cartão que não havia desbloqueado e tentei o 0800 pelo celular para desbloquea-lo o antes do caixa finalizar a venda. Não deu certo! 0800 não se faz pelo celular.
- Pode ser débito, perguntei, já afobado?
Recebi a bela notícia:
- Vc terá que voltar à vendedora para que a mesma efetue a venda novamente e troque a forma de pagamento por débito. Depois dessa eu quase desisti, mas me lembrei do calor e dos mosquitos do pantanal nesta época do ano, respirei fundo e subi as escadas novamente.

Enquanto isto, o motorista passava por uma manhã funesta de sexta feira 13.
Tinha acabado de pegar o motor Mercury 40hp na oficina e seguiu para o Dsei para pegar o barco e seu reboque. Chegando lá, os dois pneus do reboque rasgados. Isto mesmo, rasgados e não furados! Resultado, pneus novos. Na hora de trocar os pneus, cadê a chave de roda.? ( Não meu amigo, a chave de roda de carro não serve, não.) No mais belo estilo Funasa de improviso, vai o alicate mesmo! Já viu trocar pneu com alicate? Eu nunca vi, mas verifiquei o resultado e até que deu certo. Mas imagina o trabalho.
Na hora de engatar o reboque na caminhonete, o encaixe estava quebrado ( novidade!) e mais uma vez o improviso e o alicate entraram em ação. Porca, parafuso e tudo pronto!
Enquanto isto eu já tinha resolvido minha compra do ventilador em um recorde de 40 minutos e esperava o retorno do motorista em uma calçada do centro da cidade de Cuiabá, no verão, em um dia sem vento e um calor de mais de 40 graus, com certeza!
Até aí quase tudo bem! Entrei no carro e seguimos em direção ao Pantanal.
Cheguei à cidade que é a porta de entrada para o Pantanal Mato grossense de nome Poconé, procurando por um barqueiro de codinome Adílio. O papel dizia:
- Ao chegar em Poconé, vire a sua esquerda na farmácia Pantanal; isto se existisse uma farmácia pantanal. Logo encontrará a rua Pinheiros de Arruda; isto em uma cidade sem placas de ruas. E pare exatamente no número 72, que bem mais tarde descobriria ser 79. Acabamos que achamos o tal Adílio pelo nome mesmo, isto depois de ficar perdido em uma cidade que se consegue achar uma pessoa pelo nome.
Há esta hora já estava calculando chegar ao meu destino final lá pelas 7 horas da noite.
Saímos de Poconé com o barqueiro até as margens do rio Cuiabá, o qual fica a uns 40 km de distância.
Chegando lá os pernilongos nos dão as boas vindas. Uma nuvem, logo depois de uma chuva torrencial!
Estava começando a piorar. E eu ainda não sabia que era sexta feira 13.
Ao retirar a minha bagagem o zíper da minha mala quebra e a coloco em uma sacola para a roupa não cair. ( poverty!)
Barco na água, cadê o tanque de combustível, cadê a mangueira de combustível?
- Ninguém sabia. Resolvido; o tanque seria o galão de combustível mesmo, afinal, filtro pra que? E a mangueira conseguiram emprestada no mais nobre estilo ganbiarra.
Agora sim nós vamos. Aceleração a toda, e nos despedimos do motorista. Tchau!!!!!! Até a volta!
Alguns poucos quilômetros mais tarde, exatamente na segunda curva de rio, o número 13 começa a mostrar a sua força. O motor mostra sinais de falha. Olho para o barqueiro e o mesmo faz sinal negativo com a cabeça. Vamos voltar! Pego o meu celular; fora de área. Pego o celular do barqueiro; sem crédito.( Já vi que a pobreza não é só comigo!) Maravilha! A sexta feira começa a mostrar sua energia.
Aos trancos e barrancos conseguimos voltar e fazer uma ligação à cobrar do celular do barqueiro (a pobreza não me deixa!) e pedimos o motorista para retornar e nos resgatar.
Terminou? Ainda não!
Estávamos sem lona. As compras que antes estavam dentro do carro já se encontravam dentro do barco e para melhorar pegamos outra chuva torrencial molhando todas as caixas as quais as compras estavam.
Depois de acordar de madrugada e chegar a Cuiabá à noite, ainda tínhamos que devolver o barco.
Chegando lá, na hora de retirar o engate; a porca a qual tinha sido apertada com um alicate se recusava a sair. Parecia que a mais forte das chaves havia sido utilizada para apertar tal porca. A solução foi achada minutos depois de muita força e enfrentamento da escuridão com a luminosidade do meu celular. Vamos retirar o engate inteiro da caminhonete.
Cansados e sujos seguimos o rumo de nossas residências. Bem, a residência para a qual eu sigo não é exatamente minha, é da minha prima Otília e seu Marido Pignati. Se bem que já estou utilizando a casa deles já faz tanto tempo que acho que na lei, o quartinho que eu uso já se enquadrou no Uso Capião.(MST)
Pego as minhas tralhas e entro na casa da minha prima com as caixas de compra pesadas e molhadas prestes a rasgar. O motorista segue o seu caminho.
Um dedo de proza e uma cerveja com o meu amigo Pig e na conversa o mesmo me atenta ao fato de que é sexta feira treze. Aí entendi, tudo explicado! E eu querendo sair para trabalhar em uma sexta feira 13. Que ingenuidade!
Vou tomar banho e percebo que deixei minha mala com as minhas cuecas e meias no carro. Com o bicho solto e balançando, fico com insônia e resolvo estudar mais um pouco. O site da especialização estava com problemas.! È o mar não está para peixe não.
Vamos dormir?!
(...Acho melhor botar o colchão no chão já que até meia noite ainda é sexta feira 13!)
Boa Noite.