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segunda-feira, 21 de julho de 2008

Seu sebastião


Em minhas andanças pelo Brasil ouvi muita coisa interessante, muita coisa séria e outras engraçadas.
É de conhecimento geral que alguns indígenas, como muitos ditos brasileiros, tem problemas com o álcool. A necessidade de transcender a conciência tida como "normal" é uma busca constante e quase uma necessidade da sociedade, tanto a "branca" quanto a indígena. Anteriormente ao álcool, os indígenas utilizavam plantas e raízes em seus rituais para "elevar-se ao espírito" e procurar respostas no mundo espiritual aos problemas físicos ou pessoais que os afligiam. Hoje, muitos perderam estes hábitos e adotaram o alcool como "parceiro" nesta viagem. Obviamente, os efeitos colaterais do álcool são infinitamente mais maléficos do que o de plantas utilizadas antigamente, mas parece-me que a relação dos indígenas com o álcool é diferente da nossa.
Indivíduos alcoolizados são vistos com mais naturalidade, ou quem sabe, como se estivessem em um flashback ou um resgate dos momentos de pajelança do passado.
A pouco tempo ouvi uma estória que me fez pensar.
Pseudônimo, Sebastião. Seu sebastião encontrava-se em uma das festas de sua aldeia e como era de praxe com um Paribá, ou traduzindo do bororo para o português, ovo de ema, na mão. Este é o apelido dado a cachaça vendida em pequenos frascos plásticos lembrando um ovo de ema.
A festa era uma das grandes e até música ao vivo tinha. A banda tocava enquanto o sebastião tragava o Jorobukuru ( remédio ). E o mesmo movimento seguiu-se noite adentro.
Em um determinado momento no qual o espírito do sebastião já havia transcendido o céu ou pelo menos o limite da consciência, o mesmo olhou para a tomada que fornecia energia para as caixas de som da banda e simplesmente puxou o fio.
O povo que dançava o lambadão cuiabano, obviamente, não aprovou muito a idéia do sebastião mas limitou-se a reclamar e a religar o fio na tomada.
O indívíduo, não satisfeito, esperou apenas a distração geral e repetiu o movimento.
Novamente a indignação geral repetiu-se e a mesma atitude também.
Com o som tocando novamente e o povo rebolando alegremente, sebastião astutamente, puxou o fio outra vez.
Mas uma vez reclamações e som na caixa que a noite não pode parar.
Já na quarta vez, a atitude foi diferente. Simplesmente, pegaram uma corda, amarraram o sebastião a um dos pilares da palhoça, e o lambadão comeu o resto da noite, com um espectador em especial. O sebastião ali no salão de dança, amarrado e como se estivesse pedindo por isso, assistia a tudo, quieto; até adormecer apoiado pelos esteios de aroeira. E o povo na maior naturalidade, girando no salão enquanto seu sebastião sonhava com os tempos da pajelança.
Não faço apologia ao álcool e tenho conciência do seu poder destrutivo na sociedade. Apenas descrevo uma relação que me parece diferente, até se tornar dependência. A partir daí, é tudo igual..