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domingo, 19 de outubro de 2008

NASCER DE UMA LENDA


NASCER DE UMA LENDA

Aldeia aterradinho, etnia Guató, pantanal Mato Grossense.
Acabava de receber a notícia que um indígena, filho do cacique da aldeia Perigara ( etnia Bororo), havia desaparecido na noite anterior. Ouvimos a notícia através da “rádio cipó” que é como a gente chama o” boca a boca “ da floresta. Às vezes, a notícia chega à você tão distorcida que já se transformou em algo completamente da versão original. Devido a esta característica, não dei muita atenção ao fato, mas era algo que deveria ser verificado.
Partimos, então , no dia seguinte em direção a aldeia São Benedito ( etnia Guató), pois foi lá que o rapaz que tem seus vinte e poucos anos havia desaparecido.
No dia do desaparecimento, ele estava ajudando a equipe da de vacinação canina da Funasa como piloteiro da voadeira ( tipo de barco).
À algumas horas de barco da sua aldeia, aproveitou o tempo livre par “bater” a tradicional bolinha e “tomar umas” com os amigos Guatós. Entre alguns goles e alguns dribles o dia foi acabando e o sol sumindo no horizonte pantaneiro. A noite caiu e todos preparavam-se para dormir. Com a rede atada, pronta para uso, o indivíduo resolve dar um última saída e vai em direção a casa dos amigos. Chega lá dizendo que vai voltar para a aldeia dele, mas ninguém dá muita atenção pois o barco estava com pouquíssima gasolina no tanque e ir a pé seria uma caminhada de dias em meio a mata fechada e alagados, infestados de jacarés e outros animais selvagens.
Ao raiar do dia, a equipe da Funasa acorda e vê a rede do piloto vazia. A volta para a aldeia de perigara estava marcada para este dia, então passaram a procura-lo. Foram até a casa de um dos guatós e nada. Começaram a preocupar-se.
A notícia se espalha e a aldeia inteira passa a procura-lo. Alguns saem de barco e mais a frente encontram a voadeira dele parada , como se tivesse estacionada, em uma das margens do rio. Um casaco e um chinelo foram achados no fundo do barco, como se os tivessem colocados cuidadosamente lá. Muito estranho!! Pensaram.
Uma das hipóteses, era de afogamento e os bombeiros foram acionados. A alguns meses atrás, um indígena da mesma aldeia havia morrido afogado no mesmo rio e o receio era que tivesse acontecido a mesma coisa.
Cheguei na aldeia de São Benedito um dia após o desaparecimento. A aldeia estava toda mobilizada, dois bombeiros de busca fluvial já se encontravam na ativa e diversos homens da aldeia do in´digena desaparecido haviam vindo para ajudar na procura. O semblante de preocupação era geral.
Os bombeiros procuravam dentro do rio, em meio a galhadas submersas aonde muitos corpos, vítimas de afogamento, são encontradas antes de boiar divido aos gases de putrefação. Os indígenas faziam a busca na mata procurando por indícios de passagem humana.

Mais tarde naquele dia, chega à notícia que foi encontrada uma “batida”, que é como eles chamam o rastro aqui no pantanal. O rastro era de uma pessoa que condizia com o tipo físico do desaparecido. As esperanças se renovam e as buscas por terra se intensificam. O corpo de bombeiros continua pelas águas do rio São Lourenço em uma região conhecida por Pirigara.
O rio São Lourenço é um rio de águas barrentas e antes de se unir ao rio Cuiabá, se divide em diversos “braços” ajudando a alagar o pantanal na época das cheias. Na época da seca, suas ramificações formam leitos relativamente pouco profundos sendo que é em um destes leitos que a busca se concentra. Isto facilita o trabalho dos bombeiros e vai afastando a probabilidade de afogamento a medidads que a procura vai avançando.
Devido ao clima na aldeia de São Benedito, seguimos com o atendimento de forma precária atendendo somente as pessoas que vieram nos procurar, as quais não foram muitas.
Partimos, mais tarde, subindo o rio São Lourenço em direção a aldeia de perigara. Ao chegar lá o clima de tristeza era geral. Muitos formavam imensos grupos fora de suas casas em volta de uma fogueira e ali passavam dia e noite, se alimentando precariamente e chorando às vezes. Apenas as crianças menores brincavam.
Naqueles dias, os casos de atendimento eram dores e desmaios provocados pela inanição.
Os dias se passam e nada e nada. Notícias diversas chegam através da “rádio cipó”. Em menos de um dia chegou notícia de que o corpo havia sido achado no rio e outra dizendo o contrário. As contradições eram constantes e a confusão geral.
Mais dias se passam e os bombeiros encerram a busca pelo rio e um helicóptero é acionado.
Um mês se passa e volto para mais uns dias de atendimento em Perigara. O semblante de tristeza diminui, as crianças continuam brincando. A busca feita pelos “homens brancos” já cessou e uma busca espiritual deu-se início. Pajés foram consultados e afirmam que o mesmo encontra-se vivo, andando na mata e acompanhado do Bope. Não, não é o Bope da tropa de elite!! O bope é o equivalente ao Curupira ou Caiçara do folclore brasileiro. Igualmente ao Curupira, o Bope confunde a mente de quem anda na mata e não o deixa achar o caminho. Uma carta do Padre Anchieta datada de 1560, dizia: "Aqui há certos demônios, a que os índios chamam Curupira, que os atacam muitas vezes no mato, dando-lhes açoites e ferindo-os bastante". Daí surgir a lenda do Curupira, daí surgiu o Bope.
A aldeia inteira é instruída é instruída a andar de chinelo para não confundir os rastros. Na mata perto da aldeia, os índios acharam rastros “frescos”. A busca se intensifica perto da aldeia.
Todos os dias, os adultos, inclusive grande parte das mulheres saem à procura na mata, enquanto outro grupo pequeno fica com a função de alimentar a aldeia inteira através de caça e pesca.
Antes de participar de uma destas buscas, pesara que o rapaz já deveria ter morrido de fome, no entanto depois percebi que a probabilidade de morrer de fome era remota.
Durante a busca que participei, um grupo grande se divida no mato em grupos menores. No meu grupo, eu e mais dois índios, adentramos a mata fechada, em meio a bromélias e cipós de espinho e também campos abertos. Durante o deslocamento, ficávamos atentos a qualquer indício como pegadas, plantas rasteiras amassadas como sinal de que alguma coisa tenha deitado no local, entre outras pistas. No caminho todo conseguia me alimentar de bocaiúvas e jatobás; existia também uma grande quantidade de Acuris o qual eu não sou muito fã, mas é comestível. Isto afastou do meu pensamento a morte por falta de comida.
Quando saí de lá, estavam iniciando à busca de madrugada aonde saíam às 4 da manhã seguindo orientações espirituais. Volta e meia, continuam achando “batidas” e algumas índias já chegaram a dizer que viram algo correr delas após um estrondo na mata. Acham que é ele pois viram rastros logo após o acontecido.
Pensei então que como a mula sem cabeça era uma mulher que namorou com um padre, o romãozinho era um menino muito malvado e o negrinho do pastoreio era um escravo criança, gente como a gente antes de virarem lenda,; pode ser que o índio em questão não demore a passar a ser uma, pelo menos local.
Com a ajuda dos espíritos, talvez o achem; ou talvez inicia-se aqui o nascimento de uma lenda!!!!!!!!!

Um comentário:

Gilberto Granato (Arawãkanto'i) disse...

Você é que vai virar uma lenda!

A lenda do homem que escrevia mas esquecia......há,h´´a,há....