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domingo, 21 de setembro de 2008

Dificuldades


Não sou o tipo de sujeito que reclama das coisas, mas mesmo assim existem momentos que me pego murmurando devido algumas pequenas dificuldades que no momento julgo grande. Creio que a maioria de nós é assim, só que algumas pessoas não percebem o quanto são ranzinzas não olhando em volta a dificuldade de outros.
Um dia destes estava ouvindo um relato de um funcionário da funasa antigo sobre o tempo que era servidor da SUCAM. Na época um rapaz recém empregado do órgão federal e louco para desempenhar suas funções. Não que hoje não tenha vontade de desempenhá-las, mas na época, tinha o vigor da juventude. Foi contratado para borrifar domicílios contra barbeiros e outros insetos, colher lâminas levando-as para exame e verificação de infecção por malária entre outros afazeres. O trabalho era dividido em regiões e era feito na zona rural. Ficou responsável pela zona rural no entorno de São Félix do Araguaia, e se hoje o asfalto ainda não chega até lá imagina na década de 70 que, se não me engano, foi a época que se passou o ocorrido. Apesar de ser responsável por uma área geograficamente imensa, não lhe deram nenhum veículo, tinha que ir sozinho e para melhorar tudo só tinha uma pequena folha que indicava o nome dos lugares os quais tinha que visitar sem indicar direção ou distância entre estes pontos. Era um típico trabalho de explorador que ia de localidade em localidade, a pé, perguntando o caminho, dormindo aonde quer que estivesse, e comendo de favor na casa das almas mais bondosas.
Contou-me que em uma de suas visitas a distância de uma localidade a outra era muito grande, mas como não tinha marcação do tanto que teria que andar na sua folha, seguiu, seguiu e não conseguiu chegar aonde queria. Dormiu ao relento em sua rede! De noite o clima era bem ameno, mas de dia o calor do cerrado era causticante. Andava e parecia que a estrada não tinha fim. Não havia comido na noite anterior e nem hoje ainda e na estrada, nenhuma alma viva para te dar alguma indicação. A sede era maior do que a fome. Quando a sede estava começando a supera-lo parou a pouca sombra de uma das árvores de tronco retorcido do cerrado e descansou pensando que seus dias estariam no fim. É, nestas horas a gente sempre deve pensar se está para morrer ou se aquilo que se passa é apenas um teste a mais na sua vida.
A sombra, apesar de rala, impedia o sol de fritar o seu cérebro e pirar de vez. Foi quando, de repente, passou um Tatu correndo bem perto dele. Juntando suas últimas forças e empunhando a sua faca correu como quem corre pela vida. Correu mais que o Tatu cravou-lhe a faca nas costas e caiu quase desfalecido. Olhou a sua frente e viu o tal do tatu seguindo viagem com a faca nas costas e o sangue escorrendo. Ah, o sangue! Naquela hora era um líquido precioso que poderia aplacar-lhe a sede. Juntou novamente as forças que lhe restavam no tacho e partir para mais uma tentativa desesperada. Quase sem mais esperança, achou que já o havia perdido e também a faca. Tal qual foi a sua surpresa quando avistou o indivíduo animal com a sua cabeça enterrada em um buraco (seu ou de seus parentes) com o traseiro de fora e a faca nas costas. O pobre coitado do animal não conseguiu entrar no buraco completamente, pois a faca o impedia e seu sangue já estava quase exaurido.
Coitado do animal e feliz do homem, que bebeu o restante de seu sangue, comeu a sua carne e conseguiu seguir viagem até finalmente chegar em seu destino.
Em outra ocasião, já de bicicleta comprada com recursos próprios e um revólver também comprado com recursos próprios, à dita cuja furou o pneu. Como já andava preparado, remendou-o com o seu kit de emergência para pneus. O calor era tamanho que o remendo não parava e por muitas vezes teve que remendar novamente. Como não era de ferro e não tinha espírito de porco, sua paciência esgotou-se e como se pudesse findar a vida da sua ex-amiga magrela, atirou na infeliz! Seguiu no trecho puto da vida e a largou-a ao relento.
Mas nem só de infelicidades vive o homem! O seu uniforme era muito respeitado nos locais por onde andava. Para muitos, ele era a única esperança.
Uma certa vez passou em uma casa aonde uma mulher ardia com a febre da "maleita". Tremia em sua rede enquanto seus vários filhos e filhas apenas observavam a cena. Seu marido havia saído para o campo e só iria voltar dias depois. Como já estava acostumado com tal situação, já imaginou ser febre causada por malária e medicou-a prontamente.
Passado um tempo o medicamento parecia não estar fazendo efeito, e a mulher começou a tremer ainda mais, preocupando-o. As crianças, assustadas começaram a chorar. De repente, a tremedeira cessou. Passou-se um tempo e a mulher já estava de pé fazendo um café e alguma coisa para ele e as crianças comerem.
Em outra oportunidade na mesma casa encontrou o marido da dita cuja no lar. Foi então que a moça chamou a atenção do marido e falou: - Se tem alguém a quem eu devo a vida e a de meus filhos é a Deus e a este moço aí! Vai pescar uns peixes e caçar alguma coisa para dar de comer para o moço. O marido prontamente atendeu, saiu, e voltou horas depois com algumas traíras e uma caça.
Mais tarde dormindo em sua rede, na casa do casal, pensou em como aquelas palavras tocaram seu coração e que eram momentos como aqueles que vaziam valer todas as dificuldades que havia passado............

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