Pesquisar este blog

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

MATOKODAKWA ENAWENE NAWE


Amigos,
esta não foi uma aventura minha e sim da minha esposa e vale a pena registrar.
Isto é que é mulher!!!!


05/02/2006
Olá,
A semana passada foi um pouco incomum pra mim. Todos sabem que eu atendo índios em um consultório na Casa do Índio, aqui em Cuiabá. Porém semana passada me fizeram um convite para fazer um serviço de supervisão nos serviços odontológicos prestados pela conveniada OPAN, à população indígena de Brasnorte (um município próximo daqui).
A supervisão começou em uma aldeia, Matokodakwa, onde vivem os Enawenê Nauê, uma etnia que ainda preserva bastante sua cultura. Lá além da supervisão eu fiz um CPO-D, levantamento epidemiológico para avaliar a situação de saúde bucal dos indiozinhos.
A grande maioria deles não fala português, só uns 3 ou 4 arranham um pouquinho. Eles vivem em uma aldeia isolada, e andam pelados, cheios de acessórios, colares, brincos e outros badulaques. Os homens usam uma coisinha que eu não sei bem o que é, que amarra a ponta do prepúcio. As mulheres usam uma sainha tecida por elas mesmas, e os seios ficam à mostra. Eles são mais ou menos 450 índios, divididos em 10 clãs, cada clã reside em uma oca, ou seja, vivem em média 45 índios em cada oca. As ocas são enormes, cumpridas e escuras, pois não tem janelas. Durante o dia é necessário usar lanterna se quiser enxergar alguma coisa lá dentro. Lá eles dormem e cozinham. O fogão a lenha fica aceso o dia inteiro, as mulheres cozinham e comem o dia todo. Só tomam água com mel, ou em forma de mingau ou a xixa (não sei se é assim que se escreve). Imagina que dentinhos bonitinhos que eles tem.
Bom no meio dessa comida toda, do lixo (restos de alimentos), residem milhares de baratinhas. Elas estão por toda parte, nas paredes, na comida, nas panelas, nas redes, e subindo pelas pessoas. Uma visão terrível, uma praga. E o pior...elas estão mordendo as crianças. Segundo a coordenadora da OPAN, essas baratinhas vieram com um pesquisador da Austrália, e por não estarem em seu habitat, não existe um predador natural p/ elas, então elas se reproduzem, e se reproduzem...
Bom logo que chegamos lá (eu, a enfermeira, o coordenador do distrito, a coordenadora da Opan), os enawene logo pegaram as nossas bolsas, e levaram para a oca onde nos hospedariam. Detalhe que cada um de nós ficou em uma oca diferente, com pessoas que não falavam português, e com as baratinhas. Os paus onde ataram a minha rede, não tinham nenhum espaço sem baratas. Elas estavam por toda parte. A primeira noite foi um pouco difícil, dormi com algodão nos ouvidos, e totalmente enrolada em uma coberta.
A segunda noite eu relaxei um pouco mais, afinal durante o dia elas já tinham subido pela minha perna algumas vezes. Esse foi o meu erro. Dormi sem o algodão no ouvido e uma delas caiu exatamente ali. Pensa em um grito alto... Acordei os índios e eles vieram me acudir. Não preciso nem falar como foi difícil o resto da noite. E para completar, acho que a alimentação deles provoca flatulência, pois eles soltam puns a noite inteira, o barulho é assustador. O cheiro se dissipa com a fumaça da fogueira.
Saí de lá defumada, a fogueira fica acesa a noite toda, e o cheiro de fumaça leva uns 4 dias pra sair da gente.
Não tem banheiro, nem posto de saúde, nem mesa, nem cadeira, não tem nada.
Bom, mas apesar de tudo isso, os Enawene são ótimos, carinhosos, bem humorados, hospitaleiros (até demais) e bonitos. São os índios mais bonitos que eu já vi.
As mulheres e as crianças pegam em vc toda. Tem horas que dá até medo, eles te seguram de um jeito que dá aflição.
Privacidade zero, eles ficam a sua volta o dia inteiro, não dá pra fazer nem xixi sozinha. Só fiz xixi na hora do banho no rio, e claro o nº 2 não deu.
Lá é um lugar lindo, o rio é lindo e a naturza tb.
Bom, concluindo, foi uma experiência inesquecível, mas espero que eu não precise voltar lá.
Estou mandando fotos da aventura...

Bjos...Cinthia
OBS: Não me achem uma fresca, mas sinceramente, não levo jeito pra coisa...

Ela tem até foto abraçada com um homem pelado!!! Mas não se preocupem com os meus chifres não leitores. Se vissem a foto veriam que aquele pajé não dava conta do recado...rsrsrsrsrrs será????

terça-feira, 7 de setembro de 2010

CRUZANDO A LINHA DO EQUADOR ( PARTE 1)


Br 307
Acordo sem saber se é hoje mesmo que partiremos para o Balaio. Balaio é uma comunidade na qual a população é parte de Tukanos e a outra parte é Dessanos. Esta fica na estrada há uns 80 km de São Gabriel pela não tão famosa BR 307. Imagine uma estrada de chão, com floresta de um lado mais floresta do outro e isto por centenas de quilômetros adentrando a floresta amazônica passando por inúmeros igarapés amazônicos sobre inúmeras pontes aonde muitas delas estão ou em má condições ou destruídas pela águas da época das chuvas. A mesma cruza a linha do equador e você vai do hemisfério Sul ao Norte em questão de segundos. Esta é a BR em questão.
Pego a minha mochila e sigo para a FOIRN(federação das organizações indígenas do alto rio Negro). Lá encontro com a enfermeira Helen que também irá subir para o Balaio conosco. Combinamos de sair lá pelas 14:30. Volto para a minha casa para curtir um pouco mais da minha filha e esposa e depois saio para comprar um saco de dormir, um filme para a máquina fotográfica ( é, nesta época as máquinas ainda tinham filme-2003).
Ao voltar para a Foirn começa o trabalho. Começamos a carregar a Toyota bandeirante que irá nos transportar até a comunidade. Rosemiro seria o motorista. Os passageiros seriam eu, minha auxiliar, Helen a enfermeira e Ilma uma técnica de enfermagem.
Todos prontos!!! Partimos rumo à estrada. Esta BR foi construída pelo antigo projeto calha norte e tinha como objetivo desenvolver a região. Muitos vieram do nordeste para tentar a vida no norte. A maioria voltou. A estrada é de terra e ao menos parte dela está em boas condições. O exército faz a manutenção até a comunidade do balaio. Após o Balaio a coisa muda de figura.
Eu e minha auxiliar, durante o início de viagem comentamos que nosso rancho ( comida) estava escasso pois estávamos viajando com o restante da comida que nos sobrou do trecho do rio. Nosso motorista comentou que não haveria problema com comida já que ele tinha uma espingarda e iria caçar para nós.
A maioria das pessoas que moram aqui na região tem uma arma. Ou esta arma é para caçar ou é para não ser caçado, uma questão de sobrevivência. Andar nestas estradas, principalmente a noite, pode não ser muito seguro.
Uma hora de estrada e a conversa começa a ficar escassa. Uma sonolência abate-se sobre nós. Olho para o horizonte da estrada tentando prestar atenção aos detalhes. Sigo no banco da frente, só eu e a espingarda 22 do motorista. De repente enxergo um bicho negro grande lá longe. O motorista grita:
- Me dá a arma! E para o carro.
Fala de novo:
- Mutum, mutum.
Paramos a uns 15 metros do bicho. Nunca havia visto um mutum tão de perto. É uma ave de porte grande, maior do que um peru e menor do que uma ema. Ave esguia toda negra com exceção de um colorido amarelo brilhante em sua crista acima de sua cabeça. Uma ave muito bonita e bastante apreciada na região.
Com o carro parado e de fora da janela ele atira. Um dos mutuns voa e o outro apenas continua andando. Ele sai do carro bastante excitado e anda em direção ao bicho. Para a uns 8 metros e pá, atira novamente. O bicho sai meio cambaleante correndo em direção á mata. Rosemiro me entrega a espingarda e sai atrás da ave. Entra no mato e eu empolgado resolvo adentrar a floresta atrás. Entramos sorrateiramente observando para ver se não encontrava o animal caído ou escondido em algum lugar. Andamos uns 20 metros floresta adentro e nada. Paramos por alguns minutos pra tentar ouvir os sons dos animais andando e ouvimos apenas alguns sons altos de araras voando. Nosso jantar havia escapado!!! Ruim para nós, bom para ele. Decepcionado o motorista volta para o carro.
Continuamos nossa viagem e passamos por diversas pontes, algumas em boas condições e outras que ficam apenas à alguns centímetros da água. Segundo Rosemiro, em uma destas pontes, ele passou com água pelo meio da roda semana passada.
Chegada tranquila até o Balaio. Nos instalamos em um sub pólo base que tem lá. Uma casa de madeira simples, com ganchos para atar nossas redes e uma pequena ante sala aonde fica o rádio de comunicação.
Mais tarde um pouco descobrimos que todos os homens da aldeia haviam saído para colher CARANÃ. Caranã é um tipo de palha que eles utilizam na confecção da cobertura de suas casas. Todos só voltam na sexta feira. Devido a este contratempo resolvemos atender primeiro à algumas comunidades estrada abaixo. O atendimento a estas comunidades seria de manhã e teríamos que avisar antes. Voltamos eu, o motorista e um agente de saúde indígena para a estrada até chegar a comunidade de Paritins. Lá tomamos vinho de açaí com farinha que estavam servindo naquele momento. Que momento oportuno! Avisamos do atendimento e saímos que nem cachorro magro.
De volta a estrada, enxergo mais à frente uma pedra no meio do caminho. Estava anoitecendo e a penumbra dificultava a visão. Vejo que o motorista em vez de desviar da tal pedra, vai de encontro a mesma. O agente de saúde que estava no meu lado grita:
- Cutia.
O motorista acelera o carro e segue em direção ao animal. O Cutia, de porte pequeno e muito arisca, desvia do carro e some na mata. Mais uma vez o jantar fugiu.
Voltamos para o sub-polo e o jantar já estava pronto feito pelas enfermeiras. Sem mutum, sem cutia, mas com macarrão, arroz e carne enlatada. Nada exótico, no entanto saborosa o suficiente engoli-la.
Tomo um banho no rio, escrevo um pouco e vou dormir. Hoje é noite de estréia do saco de dormir.