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terça-feira, 26 de agosto de 2008

A planta


Olho para os meus pés e só vejo terra preta, posso ver também as unhas e a alça das minhas Havaianas de 5 reais, aquelas tradicionais de fundo branco, sola e alça preta. Acabo de chegar da Horta do posto de saúde da reserva indígena Portal do Encantado. Só saí de lá quando estava escuro demais para eu ver aonde eu pisava e como ontem matamos uma cobra, provavelmente do gênero Bothrops (jararaca ) pela característica do rabo fino e liso, cabeça triangular e olhos feito olhos de gato, fiquei com receio de encontrar a irmã da mesma passeando em meio aos alfaces, repolhos, rúculas e afins.
A cobra de ontem estava passeando bem embaixo do tanque de lavar roupa, o mesmo lugar que costumo escovar os dentes, abaixar o meu cabelo pela manhã e muitas e muitas vezes andar com as minhas Havaianas sem lanterna e sem nenhuma preocupação. Vale lembrar que estou em uma reserva indígena aonde a energia só se consegue depois que o gerador a diesel é posto em funcionamento.
Apesar de estar em uma reserva, encontrar cobras pelo caminho não é tão frequente quanto pensam. Neste ano por exemplo, esta deve ser a terceira ou quarta cobra que avistei.
Geralmente, quando encontro com biólogos que fazem pesquisa de campo em outra reserva que eu trabalho, os vejo usando suas botas até o joelho próprias para evitar acidentes ofídicos. E eu aqui, olhando para o meu pé preto de terra e minhas havaianas populares. Que tipo de proteção me oferece? Penso se a vida aqui na floresta não está me afetando e fazendo com que o mato se torne parte do meu ser.
Fora os dias próximos à dias que avisto cobras, ando livremente no meio do mato, de havaianas, por cima de folhas, tocos, caminhos estreito na mata, e em noites de lua cheia nem utilizo lanterna e até mesmo em trechos que sei a direção, ando sem lanterna até em noites sem lua aonde não se vê um palmo na frente do nariz. Será imprudência ou convivência? Já cheguei a quase pisar em cobras várias vezes mas nunca cheguei a pisar em nenhuma, sempre consigo ve-la antes e até mesmo fotografa-la se estiver com uma máquina na mão. Talvez a mesma razão que me faz andar no meio do mato sem bota e lanterna seja a mesma que impulsiona um pedestre que atravessa uma avenida movimentada na hora do rush em São Paulo. Ele sabe os riscos que corre, mas como conhece os riscos, se arrisca. A mesma razão que faz um saltador de queda livre, um surfista de ondas gigantes ou um morador de uma favela viverem tranquilos. Já viu um índio andando de botas no mato? Eu nunca, mas de Havaianas já, e muitos! Será que estou virando um habitante da floresta? Será que estou virando um bicho ou uma planta? Bem, pelos meus pés, deve ser uma planta..................

Um comentário:

Gilberto Granato (Arawãkanto'i) disse...

Você está virando um cacto, mas precisamente um mandacaru do semi-árido... lembro que andava por igarapés e trlhas para as aldeias hupdes do papuri de havaiana com o mesmo fundo branco e sempre tinha que parar para colocar no lugar...

E providencie um soro hiofilizado urgente!!!

belo texto cacique...

Gilberto