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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

SAÚDE INDÍGENA PARTE 3 ( TRECHO POCONÉ - RIO CUIABÁ)




Este vídeo contém a parte da série que vai da cidade de Poconé - MT, atravessando a estrada de chão que vai até Porto Cercado ou o Hotel Sesc Pantanal às margens do rio Cuiabá.
"A percepção do desconhecido é a mais fascinante das experiências. O homem que não tem os olhos abertos para o misterioso passará pela vida sem ver nada."

( Albert Einstein

domingo, 5 de dezembro de 2010

VIAGEM AO PANTANAL ( TRECHO CUIABÁ - POCONÉ)





Este é o trecho da viagem ao pantanal que vai da casa do médico até a cidade de Poconé- portal de entrada para o pantanal Mato Grossense.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

CONHECENDO A UNISELVA PARTE 1

Começa hoje a série de vídeos que leva vocês para dentro do pantanal Mato Grossense e a conhecer uma pequena parte do dia a dia de um trabalhador de saúde de área indígena....
"Só me interessam os passos que tive de dar na vida para chegar a mim mesmo. "
Herman Hesse.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

REMINDING THE JUNGLE


TÃO PERTO DE NÓS, MAS LONGE PARA MUITOS.

Um grande programa bem perto de nós, capixabas..
Um pouco da floresta bem no meio do concreto...
Muita gente chega a sair do estado para subir o pico da bandeira e praticamente não enxerga o que está bem debaixo, ou melhor, acima de seu nariz, o Monte Mestre Álvaro.. Pouquíssimo explorado pelo município da Serra, não sei por que ainda não o tornaram um parque municipal.
Todo dia o via de minha janela e um dia tive que conferir para relembrar os bons momentos dos momentos da escola de segundo grau quando subia este mesmo monte sem o corpo reclamar.
Já adiantando, não é um programa para quem tem problemas cardíacos ou para quem está com o preparo físico muito aquém, no entanto aceita sedentários não tão sedentários como eu.
Partido da Igreja Matriz, na Serra sede, são 840 metros, 3 horas e quarenta de subida puxada para muitos dos que foram comigo, inclusive eu, em meio à mata atlântica com direito a riacho, mudança de vegetação no topo, formigas gigante e para os mais ousados, rapel no topo dos topos.
Após uma escalada íngreme em pedras escorregadias chegamos ao topo. As crianças também chegaram. Levei a minha filha de 11 anos, e mais 3 representantes do mundo infantil com seus respectivos acompanhantes. A vista é maravilhosa alcançando a Grande Vitória toda e outros municípios vizinhos como Fundão. Vale à pena conferir!
Depois duas horas e meia de descida você estará com os joelhos em frangalhos, mas o espírito renovado. É como diz o Rappa:
Se meus joelhos não doessem mais;
Diante de um bom motivo
que me traga fé, que me traga fé.
Se por alguns segundos eu observar e só observar.......

E é só isto, observar por alguns segundos ou minutos, e isto lhe trará fé. A letra foi feita para isto. Tem até a parte dos joelhos no final.
Para quem já subiu o Pico da bandeira, sinceramente, fico na dúvida se me perguntarem qual é o mais difícil.. Alguns dizem que é o daqui............................

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

MATOKODAKWA ENAWENE NAWE


Amigos,
esta não foi uma aventura minha e sim da minha esposa e vale a pena registrar.
Isto é que é mulher!!!!


05/02/2006
Olá,
A semana passada foi um pouco incomum pra mim. Todos sabem que eu atendo índios em um consultório na Casa do Índio, aqui em Cuiabá. Porém semana passada me fizeram um convite para fazer um serviço de supervisão nos serviços odontológicos prestados pela conveniada OPAN, à população indígena de Brasnorte (um município próximo daqui).
A supervisão começou em uma aldeia, Matokodakwa, onde vivem os Enawenê Nauê, uma etnia que ainda preserva bastante sua cultura. Lá além da supervisão eu fiz um CPO-D, levantamento epidemiológico para avaliar a situação de saúde bucal dos indiozinhos.
A grande maioria deles não fala português, só uns 3 ou 4 arranham um pouquinho. Eles vivem em uma aldeia isolada, e andam pelados, cheios de acessórios, colares, brincos e outros badulaques. Os homens usam uma coisinha que eu não sei bem o que é, que amarra a ponta do prepúcio. As mulheres usam uma sainha tecida por elas mesmas, e os seios ficam à mostra. Eles são mais ou menos 450 índios, divididos em 10 clãs, cada clã reside em uma oca, ou seja, vivem em média 45 índios em cada oca. As ocas são enormes, cumpridas e escuras, pois não tem janelas. Durante o dia é necessário usar lanterna se quiser enxergar alguma coisa lá dentro. Lá eles dormem e cozinham. O fogão a lenha fica aceso o dia inteiro, as mulheres cozinham e comem o dia todo. Só tomam água com mel, ou em forma de mingau ou a xixa (não sei se é assim que se escreve). Imagina que dentinhos bonitinhos que eles tem.
Bom no meio dessa comida toda, do lixo (restos de alimentos), residem milhares de baratinhas. Elas estão por toda parte, nas paredes, na comida, nas panelas, nas redes, e subindo pelas pessoas. Uma visão terrível, uma praga. E o pior...elas estão mordendo as crianças. Segundo a coordenadora da OPAN, essas baratinhas vieram com um pesquisador da Austrália, e por não estarem em seu habitat, não existe um predador natural p/ elas, então elas se reproduzem, e se reproduzem...
Bom logo que chegamos lá (eu, a enfermeira, o coordenador do distrito, a coordenadora da Opan), os enawene logo pegaram as nossas bolsas, e levaram para a oca onde nos hospedariam. Detalhe que cada um de nós ficou em uma oca diferente, com pessoas que não falavam português, e com as baratinhas. Os paus onde ataram a minha rede, não tinham nenhum espaço sem baratas. Elas estavam por toda parte. A primeira noite foi um pouco difícil, dormi com algodão nos ouvidos, e totalmente enrolada em uma coberta.
A segunda noite eu relaxei um pouco mais, afinal durante o dia elas já tinham subido pela minha perna algumas vezes. Esse foi o meu erro. Dormi sem o algodão no ouvido e uma delas caiu exatamente ali. Pensa em um grito alto... Acordei os índios e eles vieram me acudir. Não preciso nem falar como foi difícil o resto da noite. E para completar, acho que a alimentação deles provoca flatulência, pois eles soltam puns a noite inteira, o barulho é assustador. O cheiro se dissipa com a fumaça da fogueira.
Saí de lá defumada, a fogueira fica acesa a noite toda, e o cheiro de fumaça leva uns 4 dias pra sair da gente.
Não tem banheiro, nem posto de saúde, nem mesa, nem cadeira, não tem nada.
Bom, mas apesar de tudo isso, os Enawene são ótimos, carinhosos, bem humorados, hospitaleiros (até demais) e bonitos. São os índios mais bonitos que eu já vi.
As mulheres e as crianças pegam em vc toda. Tem horas que dá até medo, eles te seguram de um jeito que dá aflição.
Privacidade zero, eles ficam a sua volta o dia inteiro, não dá pra fazer nem xixi sozinha. Só fiz xixi na hora do banho no rio, e claro o nº 2 não deu.
Lá é um lugar lindo, o rio é lindo e a naturza tb.
Bom, concluindo, foi uma experiência inesquecível, mas espero que eu não precise voltar lá.
Estou mandando fotos da aventura...

Bjos...Cinthia
OBS: Não me achem uma fresca, mas sinceramente, não levo jeito pra coisa...

Ela tem até foto abraçada com um homem pelado!!! Mas não se preocupem com os meus chifres não leitores. Se vissem a foto veriam que aquele pajé não dava conta do recado...rsrsrsrsrrs será????

terça-feira, 7 de setembro de 2010

CRUZANDO A LINHA DO EQUADOR ( PARTE 1)


Br 307
Acordo sem saber se é hoje mesmo que partiremos para o Balaio. Balaio é uma comunidade na qual a população é parte de Tukanos e a outra parte é Dessanos. Esta fica na estrada há uns 80 km de São Gabriel pela não tão famosa BR 307. Imagine uma estrada de chão, com floresta de um lado mais floresta do outro e isto por centenas de quilômetros adentrando a floresta amazônica passando por inúmeros igarapés amazônicos sobre inúmeras pontes aonde muitas delas estão ou em má condições ou destruídas pela águas da época das chuvas. A mesma cruza a linha do equador e você vai do hemisfério Sul ao Norte em questão de segundos. Esta é a BR em questão.
Pego a minha mochila e sigo para a FOIRN(federação das organizações indígenas do alto rio Negro). Lá encontro com a enfermeira Helen que também irá subir para o Balaio conosco. Combinamos de sair lá pelas 14:30. Volto para a minha casa para curtir um pouco mais da minha filha e esposa e depois saio para comprar um saco de dormir, um filme para a máquina fotográfica ( é, nesta época as máquinas ainda tinham filme-2003).
Ao voltar para a Foirn começa o trabalho. Começamos a carregar a Toyota bandeirante que irá nos transportar até a comunidade. Rosemiro seria o motorista. Os passageiros seriam eu, minha auxiliar, Helen a enfermeira e Ilma uma técnica de enfermagem.
Todos prontos!!! Partimos rumo à estrada. Esta BR foi construída pelo antigo projeto calha norte e tinha como objetivo desenvolver a região. Muitos vieram do nordeste para tentar a vida no norte. A maioria voltou. A estrada é de terra e ao menos parte dela está em boas condições. O exército faz a manutenção até a comunidade do balaio. Após o Balaio a coisa muda de figura.
Eu e minha auxiliar, durante o início de viagem comentamos que nosso rancho ( comida) estava escasso pois estávamos viajando com o restante da comida que nos sobrou do trecho do rio. Nosso motorista comentou que não haveria problema com comida já que ele tinha uma espingarda e iria caçar para nós.
A maioria das pessoas que moram aqui na região tem uma arma. Ou esta arma é para caçar ou é para não ser caçado, uma questão de sobrevivência. Andar nestas estradas, principalmente a noite, pode não ser muito seguro.
Uma hora de estrada e a conversa começa a ficar escassa. Uma sonolência abate-se sobre nós. Olho para o horizonte da estrada tentando prestar atenção aos detalhes. Sigo no banco da frente, só eu e a espingarda 22 do motorista. De repente enxergo um bicho negro grande lá longe. O motorista grita:
- Me dá a arma! E para o carro.
Fala de novo:
- Mutum, mutum.
Paramos a uns 15 metros do bicho. Nunca havia visto um mutum tão de perto. É uma ave de porte grande, maior do que um peru e menor do que uma ema. Ave esguia toda negra com exceção de um colorido amarelo brilhante em sua crista acima de sua cabeça. Uma ave muito bonita e bastante apreciada na região.
Com o carro parado e de fora da janela ele atira. Um dos mutuns voa e o outro apenas continua andando. Ele sai do carro bastante excitado e anda em direção ao bicho. Para a uns 8 metros e pá, atira novamente. O bicho sai meio cambaleante correndo em direção á mata. Rosemiro me entrega a espingarda e sai atrás da ave. Entra no mato e eu empolgado resolvo adentrar a floresta atrás. Entramos sorrateiramente observando para ver se não encontrava o animal caído ou escondido em algum lugar. Andamos uns 20 metros floresta adentro e nada. Paramos por alguns minutos pra tentar ouvir os sons dos animais andando e ouvimos apenas alguns sons altos de araras voando. Nosso jantar havia escapado!!! Ruim para nós, bom para ele. Decepcionado o motorista volta para o carro.
Continuamos nossa viagem e passamos por diversas pontes, algumas em boas condições e outras que ficam apenas à alguns centímetros da água. Segundo Rosemiro, em uma destas pontes, ele passou com água pelo meio da roda semana passada.
Chegada tranquila até o Balaio. Nos instalamos em um sub pólo base que tem lá. Uma casa de madeira simples, com ganchos para atar nossas redes e uma pequena ante sala aonde fica o rádio de comunicação.
Mais tarde um pouco descobrimos que todos os homens da aldeia haviam saído para colher CARANÃ. Caranã é um tipo de palha que eles utilizam na confecção da cobertura de suas casas. Todos só voltam na sexta feira. Devido a este contratempo resolvemos atender primeiro à algumas comunidades estrada abaixo. O atendimento a estas comunidades seria de manhã e teríamos que avisar antes. Voltamos eu, o motorista e um agente de saúde indígena para a estrada até chegar a comunidade de Paritins. Lá tomamos vinho de açaí com farinha que estavam servindo naquele momento. Que momento oportuno! Avisamos do atendimento e saímos que nem cachorro magro.
De volta a estrada, enxergo mais à frente uma pedra no meio do caminho. Estava anoitecendo e a penumbra dificultava a visão. Vejo que o motorista em vez de desviar da tal pedra, vai de encontro a mesma. O agente de saúde que estava no meu lado grita:
- Cutia.
O motorista acelera o carro e segue em direção ao animal. O Cutia, de porte pequeno e muito arisca, desvia do carro e some na mata. Mais uma vez o jantar fugiu.
Voltamos para o sub-polo e o jantar já estava pronto feito pelas enfermeiras. Sem mutum, sem cutia, mas com macarrão, arroz e carne enlatada. Nada exótico, no entanto saborosa o suficiente engoli-la.
Tomo um banho no rio, escrevo um pouco e vou dormir. Hoje é noite de estréia do saco de dormir.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A VERDADE


A verdadeira sabedoria traz compreensão e tolerância das diferenças.
De que adianta montanha de livros se os mesmos acabam se tornando sua própria masmorra, quando deveriam realmente o libertar.
De que adianta conhecimento se o mesmo o faz afastar-se do outros.
De que adiantam palavras quando lhe faltam argumentos.
A verdade é, o intolerante ignorante é.

domingo, 21 de março de 2010

PAU PRA TODA OBRA


PAU PRA TODA OBRA
Médico, dentista e enfermeiro de interior é “pau pra toda obra”. É um tal de médico virando dentista, dentista virando médico e enfermeiro fazendo o papel dos dois. Em um local sem recursos sobra para quem tem o mínimo de conhecimento do assunto a ser tratado. Eu mesmo já suturei pálpebra cortada a paulada, já fui mediador de conflitos, já removi pedaço de pau de canela, já ajudei a cuidar de pessoas que sofreram de acidente ofídico, diarréia, no entanto, isto que aconteceu na região do Alto Rio Negro já foi um pouco demais......
Após um dia cansativo de atendimento na comunidade de Marabitana localizada as margens do Rio Negro, atamos nossas redes no centro comunitário do local e dormimos.
Centro comunitário é o local aonde acontecem todos os eventos que da comunidade nos quais se incluem reuniões, eventos culturais, bailes, atendimentos da equipe de saúde. Nesta noite era nosso alojamento também.
Acordo meio confuso, sonolento e ouvindo vozes do lado de fora e como ainda estava escuro me levanto da rede para checar o que estava acontecendo. Vejo luzes de lanternas e diversas vozes vindo em nossa direção. Uma destas vozes se identifica; era o agente de saúde indígena nos chamando.
Neste caso, a equipe de saúde eram eu ( odontólogo), minha auxiliar e o barqueiro. Como já disse que em interior o que tem mais conhecimentos do assunto assume o pepino, tive que tomar frente neste assunto médico. O AIS nos informou que em uma comunidade próxima havia uma gestante em trabalho de parto e nós éramos os únicos na área.
No primeiro momento, pensei, mas não expressei: - Parto ??!!! E o que eu tenho com isso ??!!!! Mas, apesar de não entender nada de parto além da parte de confeccionar o bebê, decido ir até a tal comunidade para ver em que poderia ajudar. Seguem, eu , o agente de saúde e o prático (barqueiro).
Eram 5:00 da manhã, a madrugada de ARU fazia o vento nos cortar de tanto frio. A voadeira segue rasgando as ondas do rio e a escuridão esconde as possíveis pedras do leito, mas a arte de desviar das mesmas do nosso barqueiro destaca seus anos de prática neste mesmo rio.
Após alguns minutos chegamos a uma comunidade pequena, de apenas algumas casas e um grupo de pessoas vem nos recepcionar. Sigo acelerado até a casa da gestante já adiantando a anamnese com os familiares. Segundo eles, a gestante encontra-se em trabalho de parto há mais de 24 horas, com dores e contrações.
Busco nas profundezas do meu “imenso” conhecimento de obstetrícia alguma razão para aquela criança não estar nascendo e não encontro nada, até porque eu nunca fiz obstetrícia.
Encontro a futura mãe em uma rede com uma fogueira acessa bem ao seu lado e diversos familiares aflitos ao seu redor.
Olhei em volta, olhei para a gestante, olhei para o chão e depois olhei para o céu. A única coisa que me veio à cabeça foi apalpar a barriga da mãe para tentar identificar se a criança estava em posição pélvica, pois sabia que assim o parto seria mais complicado. Ao apalpar a barriga, me pareceu no momento que a cabeça não estava na posição correta. Perguntei a idade da gestante e fui informado que ela tinha 14 anos e que era seu primeiro parto. Pensei: - Agora complicou de vez!!!
Talvez você, meu leitor, deva estar se perguntando onde está a parteira da comunidade? Durante o processo de contato com o homem branco, muitas das tradições foram perdidas, muitas compulsoriamente. Pajés, grandes conhecedores das plantas e ervas medicinais da floresta, foram proibidos pela igreja de praticar sua medicina sob a acusação de que era demoníaca. Isto criou um processo de dependência do homem branco difícil de reverter já que este conhecimento o qual era passado de geração em geração já não existia mais. Muitas comunidades ainda possuem parteiras, mas os pajés, aqui na região do alto rio negro, já são extremamente raros, somente persistem os Kumus e benzedores.
Já que não tinha muita coisa para fazer em relação à gestante, decido então remover a paciente até o pólo base mais próximo, o pólo base de juruti o qual ficava a algumas horas de distância daquela comunidade.
Como aquela madrugada estava fria, peço às pessoas que tragam cobertores para cobrir os novos passageiros da nossa voadeira. Após um tempo chegaram com apenas um cobertor fino para cobrir a gestante. Eles usam fogo para se aquecer e fogo na voadeira junto com gasolina não dá, não é!!??
Durante o trajeto para a comunidade de Juruti, o frio nos açoitava em meio aos gemidos periódicos da mulher e o ronco do motor, e eu torcia para chegarmos a tempo no pólo base aonde nós encontraríamos enfermeiros.
O lençol que cobria a paciente não era suficiente para manter o calor e então ofereço o meu casaco. Ela agradece e volta aos seus gemidos.
Finalmente chegamos ao pólo, mas o que encontramos não foi o que esperávamos. Ninguém no pólo. Os enfermeiros já haviam descido o rio de volta a São Gabriel da Cachoeira já fazia dias e a equipe que havia permanecido até um dia anterior a este era a equipe do dentista deste pólo que, como eu, também teve que sair as pressas levando uma criança que havia passado a noite com eles com diarréia e vômito. Disseram que o estado de infestação por acaris lumbricóides era tão grande que o menino chegava a vomitar os vermes. E criança pequena, todo mundo sabe, para morrer de desidratação nestes casos mais graves “é daqui para ali”. Ninguém quer ter uma responsabilidade destas e ser acusado de negligência por ter segurado a criança por um tempo maior do que se devia. E mais uma vez se confirma a troca de profissões que acontece no interior.
O momento começa a ficar mais tenso e a única saída que vejo é através da radiofonia do pólo base pedir o resgate da paciente.
Rapidamente entro na freqüência do rádio e requisito o resgate da mesma. A voadeira de resgate é mais rápida e mais confortável do que nossa voadeira de 40 Hp. Com os seus 90Hp de potência voa sobre o rio negro. É claro que se tivesse radiofonia na aldeia que estávamos teria feito isto há muito mais tempo e já saberia que não haveria ninguém neste pólo. Um aparelho de preço muito acessível comparado com a sua utilidade aonde só o mesmo funciona como meio de comunicação.
Assim que foi confirmado que a ambulância estava a caminho partimos em direção ao encontro da mesma. Nós descendo o rio e ela subindo. Nada mais podia se fazer a não ser esperar e esperando o tempo passou e encontramos a dita cuja subindo o rio, voando pelas corredeiras.
Na imensidão do rio só as duas embarcações. Diminuímos a velocidade, seguramos a ambulância com as mãos enquanto a grávida atravessava de uma embarcação para a outra. Lá havia ao menos uma enfermeira que com certeza, tinha mais experiência em parto do que eu, afinal, o único parto que havia visto tinha sido o da minha filha e ainda por cima foi cesariana.
Mais aliviado por tudo ter se resolvido sem maiores contratempos, volto para Marabitana para mais um dia de atendimento.
Após este dia estafante de trabalho, deito mais uma vez em minha rede e medito sobre o que se passou.

segunda-feira, 1 de março de 2010

BENTO MENTIROSO


FLORESTA AMAZÔNICA
BENTO MENTIROSO
A mentira está em todo lugar de tal modo que até parece que nossa sociedade não conseguiria viver sem ela. Existem as mentiras “boas” que são aquelas que são ditas para evitar que alguma coisa de ruim ou constrangedora aconteça. Imagine se todos nós fossemos super sinceros, seria um desastre. Existem as mentiras maldosas que são aquelas que são ditas com a intenção de causar discórdia ou para tirar vantagem de alguma situação. E existem aquelas mentiras que não são boas e nem são ruins, são inócuas. São ditas só para serem ditas, talvez na intenção de entreter, passar o tempo ou chamar a atenção, no entanto não causam nenhum mal. Estas são as mentiras ditas por Bento, uma figura local como tantas outras aí por esse nosso imenso Brasil.
Por volta de 1 hora descendo o caudaloso rio negro de voadeira encontra-se a comunidade de Marabitana. Esta é uma das grandes comunidades do alto rio negro e a casa de algumas figuras ilustres e “mitológicas” deste rio.
Seu Bento é um senhor por volta dos 60 anos de idade, muito falador e simpático, desde que não pisem no seu calo. Ao chegarmos a Marabitana, nós, a equipe de saúde , fomos convocados para uma reunião com os moradores locais. Seu Bento era a voz do povo Marabitanense, eleito pelo povo Capitão do lugar. Capitão é o cacique modificado pela influência militar na região. Todos os caciques viraram capitães no rio negro. E então, este capitão em questão, assume o seu posto e toma frente nas decisões e reivindicações do seu povo.
Após um surto endêmico de diarréia em sua comunidade, Bento reclamou sobre o atraso no atendimento durante o surto e a dificuldade de comunicação que a comunidade tem já que não possuem radiofonia. Reclamar da falta de radiofonia é praticamente uma regra nas comunidades do extremo noroeste do amazonas e também pudera, em uma região maior que o estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo juntos, sem estrada e sem energia elétrica o único meio de comunicação rápido fica sendo o rádio.
Ao final da reunião, reclamações à parte, seu Bento iniciou um de seus tão famosos “causos”. Ele estava com uma diarréia fortíssima. Chegava a suar e a tremer e era uma diarréia com sangue “ao vivo”, segundo ele. Ficou tão fraco que morreu. Logo após morrer ele se viu em uma estrada e logo à frente havia uma bifurcação. Um lado ia para o inferno e o outro ia para o céu. No início da bifurcação havia um segurança e este não o deixava entrar para nenhum dos caminhos. Começaram então a discutir e devido a esta discussão com o ser divino ficou tão nervoso que acordou para a vida de novo para poder contar esta experiência paranormal para todos nós.
Após alguns dias fiquei intrigado e curioso em saber o porquê que o mesmo também estava tentando pegar o caminho para o inferno. Como já me encontrava distante, não consegui a resposta e provavelmente a mesma seria mais um dos casos de ficção paranormal dos muitos “causos” contados aqui na região a cabeça do cachorro, em plena selva amazônica.
Não é a toa que a própria comunidade o conhecia como Bento Mentiroso. Vê-se que até nos rincões do Brasil, os políticos mantém sua característica principal, a mentira. Ao menos esta é inofensiva!!!!!!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO EM ÁREA INDÍGENA


Floresta, Amazonas.....
ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO EM ÁREA INDÍGENA

Voltando ao meu caderninho de anotações de área encontro o meu primeiro texto o qual descreve o atendimento odontológico em área indígena. O vejo como um texto que representa parte da minha história já que contém a minha visão sobre o atendimento naquela época (2003) e naquela região. Hoje, após 6 anos de experiência, muita coisa do meu modo de ver a área indígena mudou, mas muita coisa ainda permanece já que as dificuldades persistem aonde só os fortes sensíveis perseveram.
As próximas linhas descrevem uma época e uma região. Descrevem sensações.
Ar condicionado, cadeiras automáticas ergonômicas, canetas de alta rotação, mochos pneumáticos, sugador de alta sucção, cuspideira, câmera intra-oral computadorizada, foco de luz, esqueça tudo isso! Você está em área atendendo os povos nativos da floresta e toda esta tecnologia não vale de nada em um lugar sem energia elétrica e onde o acesso se faz apenas por via fluvial ou aérea através da utilização de helicópteros.
O atendimento em área difere do atendimento no consultório para o qual somo preparados na faculdade, de tal maneira que seria necessário uma nova “cadeira” acadêmica para nos preparar para tal.
Um manto negro se estende sobre os pensamentos do profissional de odontologia recém chegado para trabalhar com povos indígenas. Ele não sabe o que o espera, como irá trabalhar e em que condições. É um abismo de ignorância tão grande que só é transponível pela incrível capacidade do ser humano de adaptar-se a diversos ambientes.
Uma imensa parcela de culpa desta ignorância é da faculdade ou universidade na qual este profissional foi formado.
Nós profissionais da odontologia somos treinados para um atendimento elitizado aonde onde a alta tecnologia é necessária. A odontologia social, voltada para a população em geral é de grande importância em alguns países de primeiro mundo como a Dinamarca, no entanto, nos centros de ensino brasileiros recebe atenção secundária ou até terciária. Já a odontologia indígena nem mesmo existe no currículo de formação de um odontólogo brasileiro. Devido à esta carência de informações, faz-se necessário a criação, a imaginação e a adaptação.
O atendimento odontológico em área encontra diversas barreiras:
• Barreiras tecnológicas
• Barreiras Geográficas
• Barreiras ambientais
• Barreiras lingüísticas
• Barreiras culturais
• Barreiras biológicas
Todo aparato tecnológico aos quais temos acesso nos cursos de graduação e pós graduação não são de nenhuma utilidade nas aldeias indígenas já que todos, sem exceção, carecem de energia elétrica para o seu funcionamento e ao mesmo tempo, seria inviável, transportá-los até o local de atendimento devido ao seu peso e volume. Isto inclui até o consultório portátil já que o mesmo necessita de geradores de energia para o seu funcionamento, e transportar tais geradores para 40 comunidades diferentes durante os 30 dias que passamos em área aqui no Amazonas chega até ser desumano.
Com toda a deficiência tecnológica, o atendimento é feito da maneira mais confortável e ergonômica possível. Em substituição as cadeiras odontológicas, mesas, cadeiras ou pequenos bancos são utilizados como tal. Estes, devem ficar em um lugar próximo o suficiente de uma fonte natural de luz para que se permita uma boa visualização. Gazes são utilizadas para absorver o sangue em substituição ao sugador do consultório e roletes de algodão são empregados para reter a saliva no caso de restaurações. Aliás, para os que pensam que aquele “insuportável motorzinho” do dentista é indispensável, estão enganados. A cárie é um tecido amolecido e de fácil remoção através de um instrumento afiado denominado cureta dentinária. Para os interessados, esta técnica se chama ART ou tratamento restaurador atraumático e serve muito bem para estes casos e até para casos em que o paciente tem fobia do “motorzinho” do dentista.
Em alguns distritos especiais indígenas, em especial o do Alto Rio Negro, o acesso até as aldeias é feito através de rios, muitos deles com cachoeiras onde é indispensável desembarcar todo o carregamento e arrastar a voadeira sobre pedras ou até mesmo através das corredeiras até atingir o próximo ponto navegável. A distância é imensa e muitas das áreas de atendimento estão até 4 dias de distância do ponto de partida, e isto somente para chegar até o ponto central dos diversos locais de atendimento. Muitos dos pólos possuem mais de 40 aldeamentos. Como se não bastasse, em alguns locais os igarapés encontram-se intransponíveis e o acesso somente se dá através de longas caminhadas através da mata selvagem, sob um calor causticante e umidade que sufocam os não adaptados para tal.
Estas barreiras geográficas descritas fazem muitas vezes o acesso aéreo mandatório. No entanto, o alto custo financeiro destas incursões torna a constância deste tipo de atendimento inviável.
Os fatores ambientais também não são facilitadores do processo. Os mosquitos são constantes perturbadores. Para amenizar os mosquitos, somente roupas longas e muito, muito repelente, muitas vezes ineficazes. Insetos de vários tipos como aranhas e mutucas não podiam faltar. Há também o risco menor, mais ainda um risco, de ser atacado por algum animal selvagem seja ele uma onça, porcos do mato ou cobras.
As diversas línguas e dialetos constituem outra barreira importante. Estes constituem um verdadeiro mosaico lingüístico. Só na região do alto rio Negro são 4 troncos lingüísticos que se subdividem em 22 dialetos aproximadamente. Isto faz com que interpretes se tornem indispensáveis. Muitas etnias isoladas não falam uma palavra sequer do português.
As barreiras culturais, por vezes, se tornam grandes demais o que impede o atendimento do indígena pelo profissional não preparado para tal. Tais diferenças culturais não devem ser ignoradas. Ignora-las é falta grave e o profissional não será bem recebido nas comunidades. O estudo do povo no qual o profissional irá se inserir é recomendável para evitar choques entre culturas e consequentemente o fracasso do tratamento terapêutico.
Apesar de todas estas barreiras, o atendimento odontológico em área é perfeitamente viável e até mesmo ,pode-se dizer, que pode servir como uma válvula de escape para driblar a monotonia das quatro paredes do consultório odontológico. O aprendizado no contato com outros povos é imensurável. A quebra de paradigmas próprios o leva a um novo ponto de vista e a uma revisão de seu próprio estilo de vida. Uma visão mais holística das redes sociais e do próprio viver.
Enfim, o atendimento odontológico indígena , muito mais que um atendimento, é conhecer o próprio Brasil, suas raízes e sua história enquanto você, como profissional, faz história.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

IGARAPÉ TARAQUÁ


IGARAPÉ TARAQUÁ
Floresta Amazônica, extremo oeste brasileiro.

Mais um dia de atendimento a nossos amigos Hupdas. Moradores de locais longínquos e não convencionais.
Desta vez iríamos até a comunidade de Santa Terezinha, às margens do Igarapé Taraquá - a caminhada mais longa do médio Tiquié – sendo igualada apenas pela comunidade de Nova Fundação de etnia Hupda também.
Santa Terezinha, apesar de estar à margem de um igarapé, encontra-se isolada quando se pretende um acesso fluvial. Este igarapé encontra-se intransponível. Galhos e troncos cruzam seu leito, impedindo a passagem de embarcações, o que nos deixa como única alternativa a caminhada.
Encostamos no porto bem perto da saída da trilha. Para os exclusivamente urbanos, imagina-se um porto como um lugar cheio de barcos e piers com toda a infra-estrutura comun a estes lugares. Aqui é diferente! Todo o lugar em que se é possível desembarcar e que dá acesso á algum lugar é chamado porto, e este é o nosso porto; um barranco, muitas árvores e uma trilha.
Descarregamos nossos pertences. Tudo que se precisa para um dia de trabalho e uma noite de descanso. Comida suficiente para um jantar, uma muda de roupa, panela, fogareiro, um botijão pequeno, material odontológico, rede e cordas entre outros. Sabíamos que com todo este material não seria possível carregar tudo e necessitaríamos, mais tarde, de ajuda dos habitantes locais com o que não conseguíssemos levar na primeira viagem. Havia pequenas caixas com instrumentais odontológicos localizadas em uma caixa de maior porte. Como minha mochila estava aparentemente leve, retirei a maior delas para aliviar o peso para quem fosse carregar a caixa grande para a aldeia. Esta caixa grande de instrumentais devia pesar ao menos uns 20 quilos os quais agora devia ter reduzido para uns 16 quilos.
Agora já dava para sentir o peso da mochila me puxando de encontro ao chão, mas não imaginei que aqueles quatro quilos a mais fariam tamanha diferença mais tarde.
Começo de caminhada tranqüilo. Como toda trilha em meio a vegetação amazônica, os sons se intensificam à medida que adentramos a mata. As árvores crescem e o sol encontra dificuldades em atravessar a densa vegetação. O calor e a umidade combinam-se de maneira bem desagradável. Falta a brisa do litoral, mas sobra em vida ao meu redor. Nunca se sabe as surpresas que a floresta nos reserva, e a cada passo, os olhos atentos desenham árvores, folhas e frutos até então desconhecidos para mim. Uma multidão de formas, cores e sons deslumbram em intensidade e aguçam os sentidos. Plantas e plantas sobre plantas, no caso das epífitas, descrevem imagens que revelam a natureza selvagem do local. A competição é feroz até pela luz solar. Quem chega mais alto vence!.
Os animais se escondem ao mínimo som ameaçador e deixam apenas seus sons como músicas para nossos ouvidos. Os mais curiosos ou desavisados até aparecem para nos dar à graça de sua beleza na forma mais natural possível que é em seu habitat.
Após alguns minutos de caminhada, o peso da mochila, que antes não incomodava, já começa a fazer a diferença. O pescoço e ombros já ardem exaustos de suportar o peso constante. A minha estratégia de driblar o efeito do peso, a qual era estar sempre mudando a mochila de posição, se mostra cada vez menos eficaz a medida que o tempo passa. Com a mochila cheia nas costas, uma maleta de medicamentos na mão direita e uma panela de pressão para esterilizar material na mão esquerda meus movimentos ficam limitados.
Passando por um pequeno riacho de águas geladas e claras paramos para nos refrescar. No meu pensamento, já deveríamos estar bem perto da comunidade pelo tempo que havíamos andado, mas foi quando o médico Oscar soltou um comentário para mim, no mínimo desanimador: - Acho que já estamos quase na metade do caminho!
Quem já caminhou em meio à floresta amazônica e com peso no “lombo” sabe do que eu estou falando. Fora da Floresta, já subi o Pico da bandeira que é uma caminhada de horas e ainda peguei chuva de granizo lá em cima, já caminhei no cerrado e cerradão por horas seguidas, já caminhei floresta adentro no pantanal e já fiz muitos percursos dentro de áreas rurais perto das cidades, mas igual a floresta amazônica não tem igual. Diga isso quem já subiu o pico da neblina! A floresta suga as forças. O calor úmido sufoca, nos puxa para baixo e só quem é adaptado não sente tanto.
Já que não havia saída se não continuar, continuei..... Juntei as forças e segui meu caminho.
A trilha até a comunidade é bem demarcada e não há necessidade de guia. Passamos por terrenos alagadiços, troncos sobre árvores, cursos de água, terrenos arenosos, subidas, descidas e em grande parte do caminho a trilha era encoberta por folhas sobre um emaranhado de raízes. Meu coturno já havia perdido parte da sola e nada! Em uma das descidas, já com o pé sendo arrastado, o mesmo ficou preso em uma das raízes e perdi o equilíbrio. A panela de pressão e a maleta de medicamentos desceram primeiro, rolando, e eu logo atrás, capotando. Graças aos espíritos da floresta não foi nada além de um susto. Naquela hora a seleção natural já fazia sua segregação. A trupe dividia-se entre, os mais adaptados que incluía o médico Oscar e o barqueiro, os apenas empolgados que era o grupo composto apenas por mim e o grupo dos adaptados mas preguiçosos, ou melhor ,“relaxados” que incluía a minha auxiliar indígena e o técnico de enfermagem. A Trupe dos adaptados ficava bem mais à frente pendendo de vista os demais grupos, o indivíduo empolgado ficava no meio perdendo de vista o grupo dos adaptados mas preguiçosos os quais ficavam bem atrás. Ninguém me viu cair, só mesmo eu me vi girando!!!
Após apenas uma hora e meia de caminhada que mais pareciam 10 horas a trilha começa a se abrir e uma visão magnífica se estende sobre meus olhos. Era a Santa Terezinha, a própria! Não a santa, mas a comunidade.. Que alívio. Ao chegar uma multidão de crianças me recebeu. As mesmas que já haviam recebido o médico e o barqueiro anteriormente. O médico pedia por “arcó” que supostamente significava água na língua nativa.
Após nos reunirmos novamente, tentamos comunicação, no entanto, ninguém ali falava português. Relaxando, atei minha rede em uma construção de madeira e teto de folhas de caranã onde estava bem fresquinho e sob o olhar curioso das crianças hupdas descansei.
Esperávamos pela professora, a única que sabia falar o português no local.
Logo que a professora chegou, a cumprimentamos e pedimos para que a mesma nos conseguisse alguns carregadores para pegar o resto do carregamento que havia ficado na beira do rio. Apesar da aparência pequena e frágil, os hupdes são uma etnia forte e resistente. Perfeitamente adaptados a vida na floresta. Fazem na metade do tempo o mesmo caminho que fizemos e com muito mais peso nas costas.
O pagamento pelo serviço de carregamento, posteriormente, foi feito da maneira usual aqui na região, o escambo. Pilhas, fumo, gasolina ou rancho (comida) são mais bem vindos que dinheiro, coisa de pouca utilidade no meio da mata.
Seguiu-se um banho de rio e rancho na pança. Com o dia acabando a noite cai fresquinha e o céu mais estrelado da minha vida se abre diante dos meus olhos. Já estava gravado na memória! Igarapé Taraquá, 2003, nunca será esquecido........

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

VENEZUELA ON FIRE


VENEZUELA ON FIRE
Sexta-feira
Ah se todo o dia fosse assim!!! Tranquilo até demais..
Estava no pólo base de Cucuí. Eu atendia e parava, atendia um pouco mais e esperava mais paciente deitado em minha rede, atendia mais um pouco e dava umas remadas de canoa – é, eu estava aprendendo – atendia de novo e lia alguma coisa.
Numa das vezes que peguei a canoa passaram um tenente e dois soldados do exército venezuelano correndo pela rua assustados. Passaram na casa do Teba, o motorista do padre, e logo após, mais uns quatro juntaram-se a correria.
Mais tarde a correria teria explicação. O depósito de gasolina deles havia explodido e este ficava bem ao lado do depósito de munições. Dá para imaginar!!!!!!!

ARU


ARU

Quarta-feira

Noite mal dormida devido ao frio das noites de “Aru”. Aru segundo eu são os únicos dias de frio que a região amazônica enfrenta durante o ano, segundo os militares é a combinação entre a grande concentração de umidade e elevadas temperaturas o que faz surgir uma espécie de névoa; uma densa camada de baixa altura, normalmente permeando as copas das árvores e atingindo, em média, 300 pés de altura. Não importando quantos pés de altura eu passei frio. Minha rede de garimpeiro, fina como um papel e leve como uma pluma deixava a névoa fria percorrer minhas costas acariciando-a e deixando-a gelada como "din din". Fiquei “pedalando” , como muitos dizem, a noite inteira.
Como na região amazônica, em seus, noventa e nove porcento do tempo faz calor, não estava preparado para o frio. Só não sei que altas temperaturas são essas que os militares estão falando, mas que eu passei frio eu passei. E pernas pra que te quero!!!!!!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

DE VOLTA A FLORESTA


DE VOLTA AO AMAZONAS....DE VOLTA A CUCUÍ
BUSTAMANTE...
Hoje achei um caderno de anotações no qual fazia meus textos sobre o dia a dia da Floresta. Lendo um destes textos, o que já havia se perdido volta novamente à mente como um filme e tudo passa lentamente como se estivesse bem em frente aos olhos.
Terça feira de atendimento odontológico no pólo base de Cucuí ( tríplice fronteira do Brasil-Venezuela e Colômbia). Logo após o almoço chega um casal da comunidade de Bustamante para atendimento. Com os comentários, percebemos que a comunidade já estava há um tempo sem atendimento e então, resolvemos atende-los naquela mesma tarde imaginando que as condições de higiene bucal seriam as mesmas de Cucuí, ou seja, razoáveis. Mais tarde descobriríamos que aquele pensamento seria um grande erro.
A comunidade de Bustamante fica a mais ou menos uns 50 minutos de voadeira (barco à motor de popa de alumínio) da comunidade de Cucuí. Da primeira entrada que deixa o rio Negro, e entra no igarapé que dá acesso a Bustamante são 15 minutos em um labirinto estreito e sinuoso envolto em uma vegetação exuberante que impressiona.
Ao chegar à comunidade já notei que havia alguma coisa diferente logo de cara, já que os moradores só falavam em extrair dentes e não em restaurar dentes como em Cucuí.
Ajeitei minha sala de atendimento, a qual era uma mesa retangular por volta dos 2 metros de comprimento, largura suficiente para comportar um homem adulto corpulento e altura que chegava à região do umbigo quando em pé. Outra mesa era utilizada pela minha auxiliar como mesa de instrumentação. Ambas eram emprestadas pelos indígenas. Para maior conforto do paciente utilizávamos um travesseiro baixo, fabricado especialmente para estas ocasiões no qual a cabeça do paciente recostava e logo ao lado já ficava um saco de lixo preso por fita crepe na mesa o qual servia, ao mesmo tempo, de lixeira e cuspideira. O ar condicionado era a brisa, o jaleco era uma camisa de manga comprida para proteger dos piuns (mosquitos minúsculos hematófagos) e mais luva e máscara. A posição de atendimento era em pé mesmo. Ergonomia total!
Preparada a sala de atendimento, iniciamos muito bem. Primeiro uma restauração (ART). Fiquei feliz da vida e pensei: - Agora o resto vai só no embalo!
Depois disto até o tempo fechou. Uma chuva daquelas que só a floresta Amazônica pode produzir desabou em nossas cabeças. Estávamos em uma varanda a qual precisou ser protegida por uma lona e junto com a chuva lá fora ficou a luminosidade que tanto preciso para trabalhar em regiões sem energia elétrica. O sol se foi e com ele a minha esperança de um dia tranqüilo.
Nestes casos não penso em parar o atendimento, pois os locais são geralmente distantes, despende-se muita energia e dinheiro para se locomover até elas e isto sem contar que seria um grande desapontamento para uma população inteira que esperava por este momento à meses.
Seguro os dentes firmes e digo: - Próximo!! Penso: - Seja o que Deus quiser!!
Deus quis, mas que sofri eu sofri... O próximo paciente era um molar inferior complicado (desculpem-me os não dentistas), com muito sangue sendo perdido, sem sugador para limpar o local – somente com gaze- e com toda luminosidade que necessitava bloqueada pela chuva e pela lona. Uma tragédia dantesca!!! E eu perdido na selva amazônica como Dante na sua selva simbólica da perdição do pecado. Orei aos Céus pedindo uma luz, mas esta, por ora não veio.
A cada movimento do fórceps, ou melhor, o alicate de arrancar dente para os leigos; a mandíbula movia-se muito e o dente nem um milímetro. O tempo passa e eu ali, trabalhando. Muito tempo e muito suor depois consegui, consegui terminar o segundo paciente.
Próximo.....
Depois , parece que todos os pepinos que não tive nos últimos dias concentraram-se em Bustamante. As crianças tranqüilas de Cucuí transformaram-se em monstros que berravam até machucar os tímpanos. Todas as extrações subseqüentes foram casos complicados agravados pelas condições de atendimento.
A tarde é longa e chega ao fim. A luz de esperança das minhas orações não vem como luz, mas como escuridão. O sol começa a se por e à medida que ele se vai minhas boas expectativas retornam. O dia tinha chegado ao fim, com muito esforço, mas com o sentimento de dever cumprido. De qualquer maneira, a demanda era muito grande e mais tarde, outro dia, teria que voltar a Bustamante para apagar mais um incêndio.
Na volta, quase chegando a Cucuí, já anoitecia. Fizemos uma parada estratégica antes do pelotão de fronteira (guarda de fronteira) para tomarmos um copo de vinho e comermos um pedaço de bolo de uma festa de aniversário para a qual havíamos sido convidados.
Seguimos viagem após “a social” a uma boa velocidade e de repente um foco de luz forte em nosso rosto. Diminuímos a velocidade e com voz firme gritamos: - Saúde!! Tínhamos que nos identificar para podermos passar pela guarda de fronteira já que o nosso pólo base ficava após a mesma, no entanto, antes de chegar em outro país. Se a pessoa não se identifica, corre o risco de ser alvejada pelos fuzis dos militares.
Deito em minha rede já no pólo, pensativo e cansado. Mais uma lição de vida no meu dia a dia na floresta.
Acordo do meu filme Flashback após ler este texto sobre Bustamante. Lembro-me do povo sofrido de lá e atualizo-me:
- É, o Haiti também é por aqui!!!!



OBS: Ao terminar leia o provérbio haitiano na figura, vale a pena!!!