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domingo, 16 de novembro de 2008

THE HUNTING


A Caçada

Seis anos vivendo e peregrinando por algumas matas do Brasil. Apreciando a vida a minha volta; e digo apreciando não somente no sentido visual da palavra, mas também no sentido gustativo. Que me perdoem os naturalistas que nunca nem sequer pisaram no asfalto quente com pé descalço, que dirá em terra molhada, mas não tem nada melhor do que um porco do mato, um veado ou um jacaré do papo amarelo na panela!
Nunca matei nenhum deles, no entanto, comi de tabela em um jantar ou almoço oferecido por algum indígena.
Quem anda de salto alto na mata pode não entender o que vou dizer, mas relação com a natureza não se faz apenas admirando os animais na TV ou fazendo doações à World Wildlife Foudation. Defender a natureza se traduz em uma relação mais intrincada de harmonia aonde tanto se protege como se agride só que de maneira comedida, dando tempo a ela de se recuperar. E foi em uma destas relações de agressão a natureza que meu espírito de preservação e meu instinto de sobrevivência se confrontaram.
Fazia um mês que o filho do cacique havia desaparecido nas matas do pantanal Mato Grossense. A aldeia dividia-se em um grupo de busca e grupo de alimentação. O grupo de alimentação era formado por 3 ou 4 pessoas responsáveis pela caça e a pesca suficientes para alimentar a aldeia inteira enquanto os outros ficavam exclusivamente ocupados na procura do rapaz desaparecido.
Como a era do arco e flecha já passou, precisavam de munição para as espingardas vinte e dois para a caça. A calibre 22 [e uma espingarda leve, calibre fino e com um “coice” mínimo. Só mata rápido quando o tiro é certeiro no coração, do contrário ou o animal sobrevive ou morre de tanto sangrar caso o trajeto da bala tenha atingido alguma artéria ou veia vital.
A munição acabaria em breve e sem ela não teriam como caçar para a aldeia, então resolveram ir até um vilarejo chamado Pimenteira para compra-la. Apesar de toda lei contra o armamento é extremamente fácil comprar bala neste lugar. Mais de 5 pessoas a vendem tudo tendo como origem o contrabando através da fronteira com a Bolívia aonde a munição tem preço de banana.
Era um final de tarde e o sol ainda apontava no céu inclinando-se cada vez mais e abrandando a força de seus raios.
Fui convidado para ir com os indígenas “passear” até a Pimenteira. Aceitei de bom grado já que qualquer oportunidade de interação é sempre uma oportunidade de aprendizado. Aonde a princípio iriam 3 pessoas se transformaram em oito. Estávamos em uma caminhonete L200 da FUNAI; dois na frente, quatro atrás espremidos igual sardinha em lata e neste meio eu, e mais dois na carroceria.
Seguimos viagem chacoalhando, conversando e observando atentamente à tudo que se movia em meio a relva ou mais à frente na estrada. Muitos animais, não sei por qual motivo, ficam nas estradas ou próximas dela.
Subitamente vejo a imagem de um veado campeiro pelo vidro lateral do carro. O índio que dirigia, para o carro, vira-se para mim e fala: - Quer levar para casa?
Hesitei por um momento já que nunca fui de matar animais. Após os segundos de hesitação, peguei a vinte e dois e saí do carro. Aquela seria a última vez que mataria algum animal e é bom lembrar que mataria para comer.
Quem acha que comendo carne de boi está protegendo os animais silvestres não sabe o quanto de mata nativa desmata-se para manter a pecuária extensiva praticada no Brasil. O espírito do caçador ancestral toma conta do meu ser. A espingarda engatilhada em punho, com passos breves e leves sigo em direção ao animal que se encontrava pastando os ralos brotos de uma vegetação rasteira assolada por uma queimada anterior.
Na minha mente, traço o trajeto que me fará chegar o tão próximo quanto possível do animal sem que o mesmo me veja. Não estou nervoso! Sigo com os passos leves agora me agachando atrás das árvores. De árvore em árvore vou chegando cada vez mais perto. A minha frente está uma palmeira de acuri de tronco grosso e curto o qual me serviria de perfeita camuflagem. Agora quase me arrastando no chão para trás do tronco referido me posiciono. Olho para o animal. O mesmo encontra-se pastando, tranqüilo, sem ao menos imaginar que está preste a desfalecer.
Como em uma batalha de guerra empunho a arma, faço mira logo atrás da pata dianteira, bem no “sovaco” como diriam os indígenas chiquitanos. Ali naquela região já até consigo imaginar o coração batendo e logo após explodindo causando uma hemorragia fulminante e fatal. O olho traça o caminho desde a alça de mira, passando pela massa de mira até o alvo. O dedo no gatilho já preste a disparar dispara! Pá!... A bala sai do cano em meio a uma explosão de pólvora provocando um barulho muito forte. O animal salta! Continuo olhando para o animal esperando ele cair. O mesmo continua de pé e penso que deve ser um dos bem forte. Trocamos olhares e o bicho continua pastando, tranqüilo, como se nada tivesse acontecido. Procuro a segunda munição e cadê? Não a trouxe. Olho novamente e ele já não se encontra mais lá. Pensei: - Como pude errar um animal tão grande?
Já no carro percebi a razão pela qual eles haviam me dado a arma para atirar. Na cultura Bororo, o veado é um animal quase que sagrado e nenhum bororo se atreve a mata-lo e poucos se atrevem a come-lo. Só os “homens branco” iguais a mim podem faze-lo. Então, o insight do porque o animal não havia morrido me veio. É óbvio ululante que espíritos sagrados desviaram o tiro para longe da carne macia do animal. E como intervenção divina a gente não discute, a única coisa a dizer é:
- AMÉM!!!!!!!!!!!!

Um comentário:

Gilberto Granato (Arawãkanto'i) disse...

Bela história ecológica Duda!
Você deve sempre lembrar deste episódio, quando estiver dando palestras em escolas e em tratamento no divã!!!
Lembrei de uma vez tb no mato grosso, que me deram o filé mignon do veado após ele ter morrido, sendo que tinham centenas de crianças para alimentar. como são generosos os índios!!! fiquei comendo por uma semana o filet!
Coisas de aldeia....
ou melhor de Funasa....
Agora Kariuá atirando, foi a primeira vez que vi..
Sorte que ele é panema!