Pesquisar este blog

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Por uma vida melhor


Por Uma Vida Melhor

Mais uma viagem de trabalho à Cucuí,contudo não foi menos marcante que as outras. Desta vez tive a oportunidade de testemunhar uma estória de vida triste que começa mais ou menos assim:
- Mais uma família se desfaz. A difícil arte de viver em matrimônio e dividir uma intimidade tão grande com outra pessoa às vezes completamente diferente, mais uma vez cria obstáculos tão grandes que a convivência em conjunto torna-se inviável. Os filhos gerados desta união confundem-se e sofrem por ver aquela família que lhe parecia perfeita se desmembrar. Na época ela tinha apenas 17 anos. A imaturidade da idade era compensada pelos calos adquiridos durante toda a infância e adolescência de criança pobre do interior Amazônico. Separada a pouco tempo do marido, mais uma vez em sua vida, ela se vê sem alternativas de como criar os filhos no meio de uma crise econômica tão grande como desta época.A Amazônia é ao mesmo tempo uma terra de pobreza e riquezas, oportunidades e desilusões. Muitas pessoas enxergaram no brilho de um metal amarelo chamado ouro um portal para os dias de glória, uma chance de mudar de vida, de sair da pobreza para a riqueza. Como muitos, Jaciara, vamos chamá-la assim, viu neste brilho uma chance de poder mudar e dar uma vida melhor aos seus filhos e a si mesma. A febre do ouro é forte, e mesmo grávida do ex-marido resolve arriscar-se como cozinheira em um garimpo na Venezuela.O deslocamento da sua cidade natal, São Gabriel da Cachoeira, até o porto do garimpo na Venezuela é demorado. Dias se passam e o desconforto da pequena embarcação deixa seu corpo dolorido. Finalmente chegam no tal porto. Como se não bastasse a parte mais difícil da viagem apenas começara. Às oito horas de caminhada, que separam o porto do garimpo ao local de
garimpagem encravado no meio da mata Venezuelana foram feitas por meio de trilhas aonde os aclives e os declives se alternam de tal maneira que o corpo já cansado da viagem, ficasse anestesiado com o peso da bagagem apesar do pequeno volume de roupas que possuía. Naquela trilha, 5 quilos pesavam como 30 kg. A umidade da floresta a sufocava e a respiração ofegante só era interrompida por pensamentos breves, mas encorajadores de que aquilo era só uma provação para um futuro promissor que a aguardava. À medida que subia o frio tomava o lugar do calor. Mesmo assim o suor escorria pela sua face. Ao chegar no local, a imagem do local a emudece. Homens em buracos enormes, cobertos de lama cavam a terra. Apesar do frio a lama parece servir de cobertor e o trabalho pesado ajuda a esquentar gerando calor em seus corpos. Homens com suas batéias e caixas de garimpo procuram encontrar um
pedaço de terra que dê bamburro (grande quantidade de ouro). Árvores centenárias vão ao chão dando lugar a poças de lama gigantescas. A floresta sucumbe ao poder destruidor da raça humana. Apesar da visão grotesca à frente de seus olhos, está segura de que seu futuro está aqui. Assume seu posto de cozinheira e nos momentos de folga utiliza a bateia alheia para conseguir algumas gramas a mais de ouro par si própria. Ao completar quatro meses de gravidez, ainda trabalhava. Uma das escavações a atraía mais do que as outras. Havia uma grande quantidade de ouro naquele buraco, mas este não estava mais sendo usado já que uma grande pedra ameaçava a rolar. O magnetismo do metal foi mais forte. Seus sonhos estavam se concretizando com a boa quantidade de ouro que havia conseguido e a possibilidade de conseguir mais e mais, a cegava diante dos riscos. Um dia, pegou a bateia e entrou naquele buraco enorme. Os pensamentos corriam em sua mente e apenas alguns minutos arriscando-se poderiam lhe valer mais algumas gramas de ouro. Enquanto recolhia mais ouro seus sonhos aumentavam. De repente, um estrondo! Ao olhar para cima vê seus sonhos desabarem junto com aquela pedra e mais alguma quantidade de terra. O instinto de sobrevivência lhe vem à tona e a fazem se movimentar pela sua vida. Não havia mais tempo! Seus sonhos desabaram com toda a força que eles tinham, junto com aquela pedra bem na área da sua cintura. Alguns dizem que logo após o acidente, já morta, ainda parecia procurar um meio de sair dali e sobreviver. Devia estar pensando, eu sou tão jovem! Ainda não é minha hora! Quero encontrar meus filhos! Quero sair daqui! Não adiantou! O peso era muito grande e esmagou-lhe a sua vida e a vida que estava dentro de seu útero à espera de nascer. O caminho de volta para casa não foi tão cansativo para ela. Carregada pelos seus dois parentes do garimpo, não mais teria que andar. O corpo já não mais sentia as dores ao ficar horas no chão duro da voadeira (barco de alumínio). Enquanto isto, seu corpo aumentava de volume já que os gases da putrefação faziam pressão sobre a sua pele. Foi aí que eu, Eduardo e ela, Jaciara - Vamos chamá-la assim - nos encontramos. Aqui na fronteira do Brasil com a Venezuela, no posto da polícia federal. Sua face de cor arroxeada deixava transparecer a difícil vida pregressa que levara. Apesar da vida difícil, estava claro que não deixava de se cuidar. Ela era vaidosa! Mesmo morta via-se sobrancelhas bem feitas e pintadas, e a marca do batom borrado misturado ao sangue que outrora escorrera da sua boca e nariz.
Vi seus sonhos ruírem naquela face moribunda e naquele corpo putrefato. De volta para casa, "Jaciara", de origem indígena, voltaria com a voadeira do distrito no qual eu trabalho de encontro aos seus filhos. As poucas gramas de ouro conseguidas - total de 200g - nestes meses de trabalho serviriam para amenizar a perda e dar um pouco mais de conforto a sua família durante pelo menos um tempo.
Já Jaciara, junto com seus sonhos, teria que se despedir de seus parentes da pior forma possível e quem sabe, conseguir uma vida melhor em outro plano perto de outros parentes que também já se foram.Poucos conseguiram o tão sonhado sucesso prometido pelo ouro, muitos não. Muitos acabaram igual Jaciara, sem sucesso, sem sonhos, sem vida................

Nenhum comentário: