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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Cucuí II


CUCUÍ II

Domingo em área geralmente é um dia de descanso. Alguns vão se confraternizar com seus vizinhos, outras pessoas andam para conhecer a região e outras apenas deitam em suas redes e deixam o tempo passar. Nós escolhemos uma opção alternativa, subir a serra de Cucuí.
A serra de Cucuí, como já foi falado, é uma imensa montanha de pedra encravada no meio da floresta amazônica. De um lado a Venezuela, do outro o Brasil e do outro lado do rio a Colômbia. Na noite anterior, todos resolveram sair para dar uma volta. Eu, que estava cansado e queria guardar energia para subir a serra, fiquei no pólo. Armei a minha rede lá fora na varanda e por lá mesmo fiquei a noite toda e todas as outras que se seguiram. Acordo às 07h00min h com o meu prático avisando que o nosso guia já estava no pólo para negociarmos um preço. Acordei, e feita à negociação foi combinado que por R$ 20, 00, 2 quilos de charque e 3 litros de gasolina ele nos levaria até o pico da serra. Enquanto nos arrumávamos, o nosso guia, o Betão, foi em casa pegar seu rifle para o caso de encontrarmos alguma caça. Segundo ele, mutum (um pássaro), queixada (porco), veado, inambu (um tipo de galinha), paca, cutias e uma onça negra rondam a área. Partimos lá pelas 08h30min h da manhã de voadeira com motor Yamaha 25 Hp, emprestado já que o nosso motor Honda 30 Hp estava avariado.
Durante o trajeto fizemos uma parada estratégica no pelotão de fronteira do exército Venezuelano para pedirmos permissão para entrarmos na Venezuela já que pelo lado Venezuelano a subida é mais rápida. Após uma conversação rápida, entre o guia, já conhecido por eles, e o tenente do pelotão fomos liberados. Entramos com a voadeira em um igarapé logo após o pelotão Venezuelano. Alguns minutos depois, motor desligado e remo na mão para continuarmos adentrando o igarapé. Atingimos terra firme e iniciamos nossa caminhada rumo a serra. A trilha me fez lembrar a subida da montanha da Bela Adormecida nas imediações de São Gabriel da Cachoeira. Floresta muito fechada onde mal se consegue ver o sol, extremamente úmida e tantas folhas pelo chão que chegam a embaralhar a visão durante a caminhada. Alguns minutos de caminhada e começo a ver a razão da arma do nosso guia. Ele nos mostra diversos rastros de animais até fáceis de identificar. O rastro do veado são pegadas mais profundas devido ao peso do bicho e seu casco pontudo se vê perfeitamente na lama, o rastro da paca é bem mais suave com os seus dedinhos desenhados no chão; o rastro do porco queixada que vai fuçando e marcando um caminho de folhas reviradas e até tinha uma pegada da tão temida onça que mais parece a de um gato super desenvolvido.
Durante a caminhada só rastros, o som de alguns pássaros trovão que estão sempre presentes na floresta amazônica e outros pássaros. O que nós menos esperávamos apareceu depois de mais ou menos uma hora de caminhada. Todo mundo enfileirado na trilha, e de repente o filho do guia, Ederaldo, e a minha auxiliar, logo a minha frente, dão um pulo . Ele pula para frente e ela pula para trás com um grito. O filho do guia havia passado por cima de uma cobra Jararaca e quando ela deu o bote ele pulou . A cobra errou o bote e apenas sumiu. Como nenhum de nós havia visto para aonde a cobra foi, a parte da trilha aonde ela havia sido vista estava praticamente interditada. As folhas camuflam muito bem cobras e outros animais tornando muito difícil a localização destes. Ficamos divididos por um tempo. O guia e seu filho de um lado e eu, minha auxiliar e o prático da voadeira atrás. Pego o meu facão, corto uma das árvores que estavam ao meu lado e com a ponta do tronco vou tateando a trilha e os arredores para verificar se a cobra ainda estava lá. Tudo OK! Seguimos nosso caminho.
A partir de agora a caminhada começa a ficar mais difícil. O terreno, cada vez mais íngreme e pedregoso nos faz suar e ficar ofegantes. Uma coisa que incomoda dentro da floresta é que o suor molha a roupa toda e esta nunca seca devido a umidade da floresta. A floresta acaba e um paredão imenso de pedra se ergue a nossa frente. Na hora pensei, onde está a corda de segurança. Logo minha pergunta seria respondida. Vi o guia e seu filho tirando suas sandálias havaianas e falando que era melhor fazer assim, pois o pé agarram melhor nas pedras. Pensei, Ah bom! Assim eu vou! Meu prático tirou o seu coturno e só eu mantive o meu coturno. Segundo o guia, o meu tipo de coturno tinha um solado emborrachado macio que aderia melhor nas pedras. Pude verificar a veracidade do fato logo após o início da subida. Meu coturno realmente aderia nas pedras, qualquer tênis de solado liso e duro estaria contra indicado para aquela subida.
Durante a subida, a visão maravilhosa do tapete verde que é a floresta e uma leve tremedeira nas pernas devido ao medo de me esborrachar lá em baixo.
Subi já pensando como iria descer aquilo. Pegamos mais uma parte de mata, com um pequeno riacho correndo entre as pedras cada vez maiores. Minha visão parou em um paredão de pedras enormes empilhadas umas nas outras e algumas fendas entre elas. Mais à frente encontramos um crânio humano é encontrado no meio das pedras. Reza a lenda local que é de um homem que na passagem do ano de 1999 para o ano de 2000 disse que o mundo iria se acabar e ele foi se acabar lá de cima antes do mundo. O guia pergunta: Onde está a lanterna? Lanterna na mão, o nosso guia indica aonde iríamos atravessar. Uma das fendas que havia visto nos serviria de passagem. O guia vai à frente iluminando o caminho que seria impossível de se ver sem a lanterna. Lá dentro daquela fenda estreita mas suficientemente grande para caber uma pessoa agachada, mais e mais pedras empilhadas uma nas outras. Seguimos um caminho curto de mais ou menos 3 minutos com morcegos sobrevoando as nossas cabeças até ver a luz novamente.
A trilha continua cada vez mais inclinada. Vejo uma corda mais à frente presa em uma árvore pequena no alto de uma fenda entre duas pedras. Este seria mais um obstáculo para se transpor. A corda possuía nós para dar mais firmeza na pegada. As costas iam de encontro a uma das pedras e os pés na outra pedra. Entre um puxão e outro encostávamos nossas costas contra a pedra para descansar. Feito isto, subimos todos. Cheguei a pensar que a Rose, minha auxiliar, não conseguiria já que a subida demanda uma certa força no braço. Esta me surpreendeu, subiu apesar das dificuldades. Mais à frente, outra corda. Esta estava em uma subida inclinada de pedra molhada. O único perigo era escorregar. Esta era uma subida mais tranqüila do que a outra. Todos, lá em cima, a corda foi removida. Iríamos precisar dela mais tarde. Muitas e muitas pedras, árvores e folhas mais à frente, encontramos outra parede de pedras. O guia inicia a tentativa de laçar a árvore na parte superior da parede de pedra, enquanto o prático inicia uma escalada de 90 graus logo ao lado. Primeiro sobe até uma concavidade na pedra, depois puxa uma vegetação logo acima que serviria de alavanca para o impulso que ele tomaria para segurar em uma fenda na pedra ainda mais acima. Feito isto, ele se agarra na pedra e atinge a vegetação e consegue subir o paredão sem corda. Bem, isto não estava nos meus planos então esperei que a corda fosse instalada para a minha subida. Subi com uma certa dificuldade, mais depois de tantas escaladas já estava até me acostumando. Andamos mais um pouco e a recompensa veio . Uma visão completa da floresta inteira.
Do lado Venezuelano a visão da planície e algumas serras mais ao fundo. Do lado Colombiano a visão de Guadalupe, uma vila que segundo nossos companheiros é de domínio das FARC e mais floresta. Do lado Brasileiro uma visão parcial de Cucuí, o Rio Negro e mais ao fundo a imponente serra aonde está localizado o pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil. Lá na terrinha dos nossos amigos Yanomamis. Isto me fez pensar que um dia estarei lá em cima, se Deus quiser! Lá no topo ficamos admirando a beleza ao nosso redor e ouvindo conversas. Uma das estórias contadas, é sobre como as FARC forçam meninos de 14 anos ou mais, da região a servir seu exército. Contaram também que algumas pessoas depois que visitam as vilas dominadas pelas FARC podem ser forçados a se casar com as mulheres que servem as forças revolucionárias. Se o cara bebe e depois promete se casar com a mulher só para levar ela para cama, isto serve com uma sentença, já que depois se o cara volta atrás os homens do exército forçam você a se casar sob o risco de virar adubo de floresta no caso da resposta ser negativa. Meu guia durante estas conversas relatou que já foi picado por Jararaca duas vezes. Nas duas vezes não usou soro antiofídico, apenas "remédio do mato" como falam por aqui em relação às plantas medicinais da região. Relatou também vários casos de parentes e amigos que nunca usaram soro. Após 30 minutos lá em cima , resolvemos descer.
A descida me pareceu muito mais tranqüila. Não sei se é por que eu já havia passado por todos aqueles obstáculos ou se porque era mais fácil mesmo. Caminho de volta tranqüilo, deu para aproveitar melhor os sons da floresta e sem jararacas no meio do caminho chegamos todos bem na voadeira. Parada estratégica no marco de fronteira da Colômbia com o Brasil para fotos e mais uma parada no pelotão de fronteira da Venezuela para fotos e fazer amigos. Ofereci meus serviços odontológicos a um pelotão que não tem qualquer assistência médica ou odontológica. Sempre que precisam eles vêm para Cucuí, do outro lado da fronteira, para atendimento. Volta para Cucuí. Almoço na casa do seu Martinho, é na casa dele que fica a base do rádio em Cucuí, um churrasco e volta para o pólo para descansar. Amanhã tem trabalho novamente.........

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