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sábado, 13 de fevereiro de 2010

ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO EM ÁREA INDÍGENA


Floresta, Amazonas.....
ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO EM ÁREA INDÍGENA

Voltando ao meu caderninho de anotações de área encontro o meu primeiro texto o qual descreve o atendimento odontológico em área indígena. O vejo como um texto que representa parte da minha história já que contém a minha visão sobre o atendimento naquela época (2003) e naquela região. Hoje, após 6 anos de experiência, muita coisa do meu modo de ver a área indígena mudou, mas muita coisa ainda permanece já que as dificuldades persistem aonde só os fortes sensíveis perseveram.
As próximas linhas descrevem uma época e uma região. Descrevem sensações.
Ar condicionado, cadeiras automáticas ergonômicas, canetas de alta rotação, mochos pneumáticos, sugador de alta sucção, cuspideira, câmera intra-oral computadorizada, foco de luz, esqueça tudo isso! Você está em área atendendo os povos nativos da floresta e toda esta tecnologia não vale de nada em um lugar sem energia elétrica e onde o acesso se faz apenas por via fluvial ou aérea através da utilização de helicópteros.
O atendimento em área difere do atendimento no consultório para o qual somo preparados na faculdade, de tal maneira que seria necessário uma nova “cadeira” acadêmica para nos preparar para tal.
Um manto negro se estende sobre os pensamentos do profissional de odontologia recém chegado para trabalhar com povos indígenas. Ele não sabe o que o espera, como irá trabalhar e em que condições. É um abismo de ignorância tão grande que só é transponível pela incrível capacidade do ser humano de adaptar-se a diversos ambientes.
Uma imensa parcela de culpa desta ignorância é da faculdade ou universidade na qual este profissional foi formado.
Nós profissionais da odontologia somos treinados para um atendimento elitizado aonde onde a alta tecnologia é necessária. A odontologia social, voltada para a população em geral é de grande importância em alguns países de primeiro mundo como a Dinamarca, no entanto, nos centros de ensino brasileiros recebe atenção secundária ou até terciária. Já a odontologia indígena nem mesmo existe no currículo de formação de um odontólogo brasileiro. Devido à esta carência de informações, faz-se necessário a criação, a imaginação e a adaptação.
O atendimento odontológico em área encontra diversas barreiras:
• Barreiras tecnológicas
• Barreiras Geográficas
• Barreiras ambientais
• Barreiras lingüísticas
• Barreiras culturais
• Barreiras biológicas
Todo aparato tecnológico aos quais temos acesso nos cursos de graduação e pós graduação não são de nenhuma utilidade nas aldeias indígenas já que todos, sem exceção, carecem de energia elétrica para o seu funcionamento e ao mesmo tempo, seria inviável, transportá-los até o local de atendimento devido ao seu peso e volume. Isto inclui até o consultório portátil já que o mesmo necessita de geradores de energia para o seu funcionamento, e transportar tais geradores para 40 comunidades diferentes durante os 30 dias que passamos em área aqui no Amazonas chega até ser desumano.
Com toda a deficiência tecnológica, o atendimento é feito da maneira mais confortável e ergonômica possível. Em substituição as cadeiras odontológicas, mesas, cadeiras ou pequenos bancos são utilizados como tal. Estes, devem ficar em um lugar próximo o suficiente de uma fonte natural de luz para que se permita uma boa visualização. Gazes são utilizadas para absorver o sangue em substituição ao sugador do consultório e roletes de algodão são empregados para reter a saliva no caso de restaurações. Aliás, para os que pensam que aquele “insuportável motorzinho” do dentista é indispensável, estão enganados. A cárie é um tecido amolecido e de fácil remoção através de um instrumento afiado denominado cureta dentinária. Para os interessados, esta técnica se chama ART ou tratamento restaurador atraumático e serve muito bem para estes casos e até para casos em que o paciente tem fobia do “motorzinho” do dentista.
Em alguns distritos especiais indígenas, em especial o do Alto Rio Negro, o acesso até as aldeias é feito através de rios, muitos deles com cachoeiras onde é indispensável desembarcar todo o carregamento e arrastar a voadeira sobre pedras ou até mesmo através das corredeiras até atingir o próximo ponto navegável. A distância é imensa e muitas das áreas de atendimento estão até 4 dias de distância do ponto de partida, e isto somente para chegar até o ponto central dos diversos locais de atendimento. Muitos dos pólos possuem mais de 40 aldeamentos. Como se não bastasse, em alguns locais os igarapés encontram-se intransponíveis e o acesso somente se dá através de longas caminhadas através da mata selvagem, sob um calor causticante e umidade que sufocam os não adaptados para tal.
Estas barreiras geográficas descritas fazem muitas vezes o acesso aéreo mandatório. No entanto, o alto custo financeiro destas incursões torna a constância deste tipo de atendimento inviável.
Os fatores ambientais também não são facilitadores do processo. Os mosquitos são constantes perturbadores. Para amenizar os mosquitos, somente roupas longas e muito, muito repelente, muitas vezes ineficazes. Insetos de vários tipos como aranhas e mutucas não podiam faltar. Há também o risco menor, mais ainda um risco, de ser atacado por algum animal selvagem seja ele uma onça, porcos do mato ou cobras.
As diversas línguas e dialetos constituem outra barreira importante. Estes constituem um verdadeiro mosaico lingüístico. Só na região do alto rio Negro são 4 troncos lingüísticos que se subdividem em 22 dialetos aproximadamente. Isto faz com que interpretes se tornem indispensáveis. Muitas etnias isoladas não falam uma palavra sequer do português.
As barreiras culturais, por vezes, se tornam grandes demais o que impede o atendimento do indígena pelo profissional não preparado para tal. Tais diferenças culturais não devem ser ignoradas. Ignora-las é falta grave e o profissional não será bem recebido nas comunidades. O estudo do povo no qual o profissional irá se inserir é recomendável para evitar choques entre culturas e consequentemente o fracasso do tratamento terapêutico.
Apesar de todas estas barreiras, o atendimento odontológico em área é perfeitamente viável e até mesmo ,pode-se dizer, que pode servir como uma válvula de escape para driblar a monotonia das quatro paredes do consultório odontológico. O aprendizado no contato com outros povos é imensurável. A quebra de paradigmas próprios o leva a um novo ponto de vista e a uma revisão de seu próprio estilo de vida. Uma visão mais holística das redes sociais e do próprio viver.
Enfim, o atendimento odontológico indígena , muito mais que um atendimento, é conhecer o próprio Brasil, suas raízes e sua história enquanto você, como profissional, faz história.

2 comentários:

Gilberto Granato (Arawãkanto'i) disse...

É a melhor pós graduação que a vida pode dar!

Porangaretana cemu!

Unknown disse...

gente, fui chamada para atuar nas aldeias daqui de rondonia, por favor, necessito de muitos conselhos, do que levar por exemplo... por favor me aconselhem...