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terça-feira, 7 de setembro de 2010

CRUZANDO A LINHA DO EQUADOR ( PARTE 1)


Br 307
Acordo sem saber se é hoje mesmo que partiremos para o Balaio. Balaio é uma comunidade na qual a população é parte de Tukanos e a outra parte é Dessanos. Esta fica na estrada há uns 80 km de São Gabriel pela não tão famosa BR 307. Imagine uma estrada de chão, com floresta de um lado mais floresta do outro e isto por centenas de quilômetros adentrando a floresta amazônica passando por inúmeros igarapés amazônicos sobre inúmeras pontes aonde muitas delas estão ou em má condições ou destruídas pela águas da época das chuvas. A mesma cruza a linha do equador e você vai do hemisfério Sul ao Norte em questão de segundos. Esta é a BR em questão.
Pego a minha mochila e sigo para a FOIRN(federação das organizações indígenas do alto rio Negro). Lá encontro com a enfermeira Helen que também irá subir para o Balaio conosco. Combinamos de sair lá pelas 14:30. Volto para a minha casa para curtir um pouco mais da minha filha e esposa e depois saio para comprar um saco de dormir, um filme para a máquina fotográfica ( é, nesta época as máquinas ainda tinham filme-2003).
Ao voltar para a Foirn começa o trabalho. Começamos a carregar a Toyota bandeirante que irá nos transportar até a comunidade. Rosemiro seria o motorista. Os passageiros seriam eu, minha auxiliar, Helen a enfermeira e Ilma uma técnica de enfermagem.
Todos prontos!!! Partimos rumo à estrada. Esta BR foi construída pelo antigo projeto calha norte e tinha como objetivo desenvolver a região. Muitos vieram do nordeste para tentar a vida no norte. A maioria voltou. A estrada é de terra e ao menos parte dela está em boas condições. O exército faz a manutenção até a comunidade do balaio. Após o Balaio a coisa muda de figura.
Eu e minha auxiliar, durante o início de viagem comentamos que nosso rancho ( comida) estava escasso pois estávamos viajando com o restante da comida que nos sobrou do trecho do rio. Nosso motorista comentou que não haveria problema com comida já que ele tinha uma espingarda e iria caçar para nós.
A maioria das pessoas que moram aqui na região tem uma arma. Ou esta arma é para caçar ou é para não ser caçado, uma questão de sobrevivência. Andar nestas estradas, principalmente a noite, pode não ser muito seguro.
Uma hora de estrada e a conversa começa a ficar escassa. Uma sonolência abate-se sobre nós. Olho para o horizonte da estrada tentando prestar atenção aos detalhes. Sigo no banco da frente, só eu e a espingarda 22 do motorista. De repente enxergo um bicho negro grande lá longe. O motorista grita:
- Me dá a arma! E para o carro.
Fala de novo:
- Mutum, mutum.
Paramos a uns 15 metros do bicho. Nunca havia visto um mutum tão de perto. É uma ave de porte grande, maior do que um peru e menor do que uma ema. Ave esguia toda negra com exceção de um colorido amarelo brilhante em sua crista acima de sua cabeça. Uma ave muito bonita e bastante apreciada na região.
Com o carro parado e de fora da janela ele atira. Um dos mutuns voa e o outro apenas continua andando. Ele sai do carro bastante excitado e anda em direção ao bicho. Para a uns 8 metros e pá, atira novamente. O bicho sai meio cambaleante correndo em direção á mata. Rosemiro me entrega a espingarda e sai atrás da ave. Entra no mato e eu empolgado resolvo adentrar a floresta atrás. Entramos sorrateiramente observando para ver se não encontrava o animal caído ou escondido em algum lugar. Andamos uns 20 metros floresta adentro e nada. Paramos por alguns minutos pra tentar ouvir os sons dos animais andando e ouvimos apenas alguns sons altos de araras voando. Nosso jantar havia escapado!!! Ruim para nós, bom para ele. Decepcionado o motorista volta para o carro.
Continuamos nossa viagem e passamos por diversas pontes, algumas em boas condições e outras que ficam apenas à alguns centímetros da água. Segundo Rosemiro, em uma destas pontes, ele passou com água pelo meio da roda semana passada.
Chegada tranquila até o Balaio. Nos instalamos em um sub pólo base que tem lá. Uma casa de madeira simples, com ganchos para atar nossas redes e uma pequena ante sala aonde fica o rádio de comunicação.
Mais tarde um pouco descobrimos que todos os homens da aldeia haviam saído para colher CARANÃ. Caranã é um tipo de palha que eles utilizam na confecção da cobertura de suas casas. Todos só voltam na sexta feira. Devido a este contratempo resolvemos atender primeiro à algumas comunidades estrada abaixo. O atendimento a estas comunidades seria de manhã e teríamos que avisar antes. Voltamos eu, o motorista e um agente de saúde indígena para a estrada até chegar a comunidade de Paritins. Lá tomamos vinho de açaí com farinha que estavam servindo naquele momento. Que momento oportuno! Avisamos do atendimento e saímos que nem cachorro magro.
De volta a estrada, enxergo mais à frente uma pedra no meio do caminho. Estava anoitecendo e a penumbra dificultava a visão. Vejo que o motorista em vez de desviar da tal pedra, vai de encontro a mesma. O agente de saúde que estava no meu lado grita:
- Cutia.
O motorista acelera o carro e segue em direção ao animal. O Cutia, de porte pequeno e muito arisca, desvia do carro e some na mata. Mais uma vez o jantar fugiu.
Voltamos para o sub-polo e o jantar já estava pronto feito pelas enfermeiras. Sem mutum, sem cutia, mas com macarrão, arroz e carne enlatada. Nada exótico, no entanto saborosa o suficiente engoli-la.
Tomo um banho no rio, escrevo um pouco e vou dormir. Hoje é noite de estréia do saco de dormir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eduardo, adorei poder novamente me encontrar com São Gabriel da Cachoeira por suas palavras. Obrigada!!! Estou morando no Rio de Janeiro, e já passei por essas experiências que o toma com tanto entusiasmo, fiquei triste do Polo de Balaio ainda não estar construído, mais isso é outro papo. Estou fazendo uma pesquisa em relaçao ao trabalho dos profissionais do DSEI-RN, gostaria de saber se posso contar com vc...
Pergunte para a téc. em enfermagem Dione ou Maria em relaçao a minha pessoa. E se possível pede para Dione o email dela!!!

Um grande abraço, aproveite bastante esses momentos que são únicos em nossa vida.

meu email:nubia.horiba@ipec.fiocruz.br/nnuma14@hotmail.com