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terça-feira, 18 de agosto de 2009

PASSO A PASSO II


Poeira, Mata...
CONTINUANDO MEUS PASSOS.

Às 17h00min horas subo na caçamba da caminhonete S10 do vereador, junto com o filho do secretário de obras de oito anos e a babá dos filhos do mesmo secretário.
A caminhonete estava forrada com um colchão e seguimos com certo conforto, mas não antes de uma chuva ameaçar a nossa tranqüilidade. Felizmente ficou só na ameaça.
À medida que o carro entra na estrada de chão, olho para a nuvem de poeira que ficava para trás, para as fazendas e florestas do trajeto. A lua crescente já despontava no céu ainda claro.
A caminhonete "patrolava" a estrada como dizem por aqui, o que quer dizer que estava rápida e passando por cima de todos os buracos. Isto me fez lembrar muito a minha infância quando meu pai passava por cima de todos os quebra molas da estrada em nossas viagens de família.
A cada buraco maior meu copo decolava meio metro do chão enquanto o menino dormia frente
aos pulos e a babá tentava se acomodar da melhor maneira possível.
A viagem continua o sol se despede, a lua e a escuridão dominam o cenário. A poeira não se vê mais e o barulho do motor e da trepidação do veículo misturava-se com o som dos grilos, sapos e
pererecas.
O carro segue em frente com as corujas (bacuraus) voando rente ao teto do carro tentando desviar do mesmo. Estas corujas ficam geralmente nomeio da estrada à noite, fazendo não me pergunte
o que.
Duas horas de viagem, chego à vila picada bastante cansado e descubro que o ônibus escolar não veio trazer as crianças esta noite. Seu Ailton, o vereador, oferece a sua casa como pouso
esta noite.
Vereador de interior chega a ser até engraçado. Conhece desde a pessoa mais ilustre até o mais pé de chulé da cidade. Bastante
comunicativo acho que como todo vereador deve ser, me leva a um boteco aonde servem comida caseira. Lá, jantamos arroz, feijão e uma costela bastante saborosa, e olha que eu não gosto de carne gordurosa.
Após o jantar, o qual não me foi cobrado, sentamos para tomar uma gelada e jogar conversa fora com seus companheiros.
Este era um boteco típico de interior, feito de madeira e com uma mesa de sinuca velha aonde um grupo de homens se divertia. Aliás, neste tipo de bar praticamente não se vê uma alma feminina, somente homens bebendo , falando alto e esporadicamente um corpo esticado no chão,
o famoso pé inchado, pé de cana, pinguço ou qualquer outro adjetivo que qualifique o indivíduo que ultrapassou os limites do seu corpo através da ingestão excessiva de álcool.
Durante a conversa fico sabendo da história de vila Picada. O vereador ao meu lado de nome Ailton Picada, foi o fundador do local. Iniciou sozinho, ele e a esposa, com uma borracharia na beira da estrada de chão. Após um tempo a borracharia passou a ser um ponto de referência para os fazendeiros e caminhoneiros que trafegavam pela região.
Lutaram mais tarde para trazer energia elétrica para a região, depois para trazer a escola para as crianças das fazendas e devagar a vila foi crescendo.
Hoje, a vila já tem dois mercados, vários bares, energia elétrica, uma serraria de propriedade do vereador, escola e diversas residências.
Apesar de possuir uma caminhonete e uma serraria,a casa de seu Ailton é bastante simples, com chão de cimento cru, parte da estrutura em madeira, fogão a lenha e uma varanda com muito espaço, tipo palhoça. Adormeço na palhoça em uma rede e mais tarde seu Ailton me cede um cobertor.
Levanto-me cedo em uma manhã fria. Tudo leva a crer que o verão começa a se despedir. Alguns me dizem que após os primeiros dias de frio, as chuvas começam a cessar, os mosquitos a diminuir, o frio a aumentar e os carrapatos a chegar. Não saia na mata se não quer ficar coberto por minúsculos carrapatinhos. Para quem trabalha
na roça, sós lamentos, não tem escapatória!!!
O ônibus que vai para o destacamento militar de fortuna,próximo 9 km da aldeia, só passa ao meio dia.
Decido adiantar as coisas e seguir para beira da estrada para pegar uma carona.
Paro debaixo de uma goiabeira e divido meu café da manhã, goiabas, com galinhas ciscando e um bando de pequenos periquitos na copa.
Duas horas de espera na estrada e somente um
veículo em direção contrária.
Desde que o acesso principal à Bolívia foi mudado para San Matias, perto da cidade de Cáceres no Brasil, o movimento da estrada caiu muito, mas volta e meia um caminhão ou uma caminhonete ainda pegam a estrada em direção as fazendas do trajeto.
A fronteira é tão bem guardada que qualquer um, seja a pé ou de carro, passa sem ninguém incomodar.
Mais tarde, como que em um comboio, passam três caminhões.
Minha gandola (jaqueta) camuflada do exército me ajuda a parar o primeiro dos caminhões. Seu destino era uma fazenda próxima ao local para o qual me dirigia. A filha de um fazendeiro, dono de
fazendas de soja no norte do estado estava montando uma fazenda de pecuária no local. Terras virgens, compradas há alguns anos por $150,00 reais o hectare, desmatadas e preparadas para o gado por $300,00 dólares de custo o alqueire ou hectare (não me lembro muito). Isto segundo o meu companheiro de viagem, o caminhoneiro.
A viagem segue por uma hora e meia e a conversa flui até o meu destino. O ponto de parada é uma pequena estrada de acesso para a aldeia.
Agradeço e sigo o meu caminho.
Cinco km me separam da comunidade em uma estrada que atravessa o cerrado e florestas de transição. Somente eu, minha mochila e minha botina na estrada.
À medida que caminho, o dinheiro público vai sendo desperdiçado no meio do caminho. Já poderia estar no posto da aldeia realizando atendimentos e estou aqui, fazendo turismo de aventura devido à lentidão e a incompetência do poder público.
Alguns podem estar se perguntando como posso me sujeitar a tal coisa. Bem, são vários os motivos pelo qual ainda estou aqui. Entre eles estão minha família e a preferência em atender pessoas mais simples à madames da sociedade. É
também um modo de conhecer diversos lugares e outras culturas que a maioria das pessoas comuns da cidade nunca chegarão a conhecer. Lugares aonde só tem acesso quem trabalha no local como o pessoal da Funai, do meio ambiente e o pessoal da saúde.
Enquanto caminho penso nas pessoas que estão na academia pagando para fazer um pouco de esteira para emagrecer, e eu aqui malhando de graça, ou melhor, sendo pago para isto, além de estar
respirando o ar puro e em contato direto com a natureza. Este pensamento me ajuda a seguir em frente feliz!!!
A caminhada está tranqüila, pois é um dia fresco.
Chegando na primeira comunidade indígena, fui informado que a enfermeira se encontra no posto de
saúde e como não há nenhum veículo disponível, pernas para que te quero!!! Mais três quilômetros e meio.
É, MAIS UM POUQUINHO EU CHEGO LÁ. PASSO A PASSO!!!!!

Um comentário:

Gilberto Granato (Arawãkanto'i) disse...

A melhor foto dos últimos tempos...
lembrei destas corujas que ficam dormindo à noite na estrada...
Ai que vontade...

De pegar o controle remoto.