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domingo, 2 de agosto de 2009

BOCA SECA


BOCA SECA

Na crônica anterior foi a vez das chuvas em território pantaneiro. Nesta elas chegaram em território chiquitano.


Olhando através da janela do meu consultório, vejo gotas de chuva caírem, a princípio um pouco tímidas, mas logo depois desabam em uma forte chuva.
O cheiro de terra molhada percorre as minhas narinas me fazendo lembrar dos tempos de campos verdes e um sorriso discreto se estampa em meu rosto.
Fazem 3 meses que a última gota de chuva caiu em solo chiquitano. O córrego da onça, antes fonte de preocupações e palco de cenas engraçadas já não preocupava mais. Seu solo seco tal qual solo nordestino em tempos de seca levanta poeira o que não lembra em nada a lama fétida dos tempos das águas no qual o nosso veículo atolava frequentemente.
A paisagem transfigurada da natureza local mostra a importância da água para a vida e demonstra também o quanto a mesma natureza é sábia. Para evitar a perda de água pela transpiração as folhas secam e caem fazendo com que as árvores pareçam mortas. Os pequenos arbustos secam por completo e até desaparecem, mas raízes robustas guardam sua fonte vital esperando justamente estes primeiras gosta que caem agora pela minha janela.
Nos tempos de seca a paisagem é pálida e embaçada. O ar é contaminado pela fumaça das queimadas as quais são herança de uma agricultura medieval e da ânsia do homem em transformar florestas em pastos. A fumaça e a poeira pairam no ar irritando os olhos de muitos e causando doenças respiratórias em outros.
Diversas vezes, noticiários anunciam que a umidade do ar é crítica ( menor que 20 % ) e chega a níveis de 9 a 12 %. Com esta umidade os lábios ressecam e a mucosa do nariz chega a sangrar. Apesar de sentir pouco os efeitos da poeira, fumaça e baixa umidade relativa do ar o número de atendimentos nos postos de saúde contradizem o que meu corpo fala.
As “ondas” repentinas de frio seco completam o quadro.
Mas nem tudo são males no inverno do sudoeste do Mato Grosso.
No meio dos tons pastéis florecem o ipê e a carijó. Cores vivas como o roxo e o amarelo brilhante se destacam. Ipês brancos dão o meio tom na paisagem diante dos meus olhos. As cores trazem a alegria de volta e mais uma vez mãe natureza dá um show de sabedoria adquirida nos milhões de anos de evolução. Algumas plantas florecem no meio da seca, formam suas sementes no final desta para que , com o início das águas, as mesmas possam germinar.
Caminhar na mata nesta época é tarefa fácil já que somente as árvores estão de pé. O difícil é não ser notado aonde em cada passo que se dá, galhos e folhas secas denunciam em bom som a sua presença. Qualquer animal maior é ouvido a distância.
Os tempos de seca são tempos de caça fácil já que a pouca água e a pouca comida limitam o seu território. Qualquer fonte de água ou árvore frutífera que tenha frutos, o que são poucas, pode ser um bom ponto de ”espera”. Caça-se caminhando pelas fontes de água remanescentes ou “esperando” à noite geralmente em uma rede armada a alguns metros acima do solo perto de uma fonte de comida.
Enquanto a chuva cai, lembranças da seca e dos tempos de chuva se misturam em minha memória.
Alguns dias após a primeira chuva, cai a segunda, e como em um passe de mágica tudo se transforma novamente. A vegetação rebrota com uma rapidez incrível e em poucos dias a paisagem outrora pálida volta aos seus tons verdes.
O som da mata também ganha um reforço poderoso com as chuvas. Antes adormecidas, as cigarras dão o acorde maior nas florestas suprimindo o som dos jaós, siriemas, macacos bugios e japuíras que dominavam o som das florestas na época da seca.
Com as águas, o ar começa a limpar, a vida a se mostrar, a lama a se formar e os mosquitos e cobras, os quais não deixaram nenhuma saudade nos tempos de seca, a reaparecer. O ciclo se completa!!!!!!!!
Ano a ano a natureza nos dá a chance de aprendermos com ela, e ainda assim temos dificuldades como um aluno que reprova um ano após o outro...


FIM

Um comentário:

Anônimo disse...

É meu caro Eduardo, imagine que tudo o que vemos e ouvimos e somos capazes de perceber é pouco diante da grandeza desse universo criado por Deus!

Sua bela narrativa revela uma porção desse universo e já nos comove tamanha magnitude a interação dos seres...

Parabens pela experiência vivida!

Kblo de Cristo