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sábado, 4 de julho de 2009

VOZES SILENCIADAS


Vozes silenciadas

Se estiver sem tempo não continue esta leitura... Abaixo encontra-se uma leitura reflexiva e histórica. Ao ler cada frase procure utilizar o imaginário e aprofundar os sentimentos a medida que prossegue na leitura.



Mais uma tarde de chuva na aldeia chiquitana.
Poucas pessoas vêm à procura do meu serviço odontológico já que me encontro sem diesel à quase duas semanas o que na aldeia significa sem energia elétrica. Consequentemente restaurações usuais ficam impossibilitadas de serem realizadas e somente extrações e restaurações provisórias são feitas.
No tempo vago me ocupo com a minha horta, em conversa fiada com alunos e diretores da escola, cozinhando, escrevendo e com pensamentos diversos sobre a minha família e a vida em si.
Um destes dias estive pensando sobre os próprios chiquitanos, Quem são eles? De onde vieram? Estes pensamentos me fizeram voltar no tempo, mais precisamente no ano de 1542...

Neste ano, os primeiros espanhóis chegam a chiquitania ( atualmente Bolívia e parte do Brasil ) em busca de uma via de comunicação para o território que é hoje o Peru. Estes por sua vez resolvem fundar uma povoação no local como forma de assegurar o caminho encontrado. Logo após resolvem avançar até o rio grande fundando então a cidade de Santa Cruz de La Sierra, um lugar povoado por mais de 20.000 indígenas.
A partir deste momento os indígenas passam a ser escravizados e já em 1561 estima-se que 40 à 60,000 indígenas vivam em regime de servidão. Os que não eram escravizados morriam, seja por conflitos ou por epidemias como a peste avassaladora do séc. XVI, a varíola.
Como não podiam faltar, os missionários também faziam incursões na região e estes, estavam conscientes da enorme responsabilidade que tinham nas mãos. Sua missão era “pacificar” os indígenas.
Imbuídos pelo desejo de salvação e pela fé, acreditavam ter pela frente um trabalho inédito, em que tudo estaria por se fazer em nome e para a glória de Deus.
Já do lado Brasileiro atual, a coroa portuguesa, resolve marcar presença no lado oriental ao saber da existência de missões no lado espanhol.
Em 1712, é fundada Vila Bela ( sudoeste do estado atual de Mato Grosso ), sede da capitania de Mato Grosso.
Mais tarde, com o crescimento do comércio e da população promovido pela descoberta de ouro nas minas do Sutil ( Cuiabá ) e de Vila Bela, muitos latifúndios foram estabelecidos junto às rancharias dos índios. Em 1850, a promulgação da lei de terras, intensificou a ocupação das terras chiquitanas tidas como devolutas. Devolutas significa terras públicas ocupadas por particulares ou não. Devido à estas ocupações e atividades missionárias a língua chiquitana foi sendo esquecida lentamente.
Mais recentemente, um grupo de trabalho indígena, identificou diversas comunidades chiquitanas remanescentes espremidas entre os latifúndios ou ocupando terras tidas como das forças armadas localizadas na área de influência do Gasoduto Bolívia-Mato Grosso. Entre estas comunidades, se encontram as comunidades de Acorizal e Fazendinha para as quais eu trabalho.
Atualmente, a reserva chiquitana nomeada de reserva indígena Portal do Encantado já foi identificada oficialmente e se encontra em processo judicial para a demarcação de suas terras.
Descendentes dos latifundiários invasores e novos invasores fazem ameaças a população indígena local ao sentir a eminência da perda de “suas” terras.
Enquanto isto, a língua chiquitana, a qual esteve em processo de extinção , começa a ser resgatada mesmo que timidamente nas duas escolas locais. Um dos poucos conhecedores da língua no Brasil se foi, morreu, e a sua voz pede socorro. Todos os conhecedores da língua no lado brasileiro estão em idade avançada e começa uma corrida contra o tempo para resgatar a mesma. A língua chiquitana tem pressa, caso contrário, poderá ter sua voz silenciada quisá para sempre.
Só pode existir uma razão para alguém ser contra a causa indígena e a demarcação de suas terras: - A ignorância total dos fatos históricos. Enquanto a ignorância e a ganância prevalecem os índios continuarão sendo ameaçados e sua riqueza cultural e língua continuarão a serem esquecidas. Como bom otimista, vejo um horizonte possível para a conciliação das diversas culturas existentes neste nosso brasil em uma convivência harmoniosa e de bons frutos.
Lutemos pelo fim da ignorância e pela disseminação de fatos históricos como estes tão similares entre as diversas etnias do nosso país. Estórias de ocupação, servidão e mortes. Vamos mudar esta estória, vamos mudar a História...


FIM


OBS: Dados históricos extraídos da Dissertação de mestrado da lingüista Áurea cavalcante Santana.

2 comentários:

Gilberto Granato (Arawãkanto'i) disse...

Assino embaixo meu amigo...
Fez-me lembrar do primeiro texto que escrevi no crotidiano "o conceito indígena" e minha auxiliar no mato grosso que eu a chamava de chiquitana, por ter conhecido os chiquitanos em um encontro de mulheres indígenas em cuiabá, encaixa bem em mais esta história das muitas outras que o Brazil com "z" indígena tem.

Porangaretana cemu!

Anônimo disse...

Estou contigo meu irmão, nossa sociedade precisa reconhecer e respeitar a cultura e os valores deste povo.
Em 2002 o Brasil perdeu um dos maiores humanistas que lutou pela causa indígena neste país.Como este mundo é pequeno, este homem simples era parente de minha esposa,o mais ilustre e esperado nos encontros da famíla Vilas Boas, o saudoso Orlando Vilas Boas.
Vai lá no Google e esperimente conhece-lo melhor!

bjos

kblo