Pesquisar este blog

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Interior


Município de Porto Esperidião, quinta feira de um Mês de agosto. Como em Castelo no ES, mês de agosto aqui é mês de vento e de humidade relativa do ar próxima a de um deserto. A boca seca e vc bebe água o dia inteiro sem saber para onde esta grande quantidade de água vai. Acho que o ar toma tudo de volta.

Cheguei de uma viagem de 145 km de estrada de chão. O carro sem ar condicionado não me permitia fechar a janela; o calor era de 40 e alguns graus e a poeira da estrada moldava os meus cabelos lavados com sabonete na noite anterior fazendo com que até as madames ficassem com inveja imaginando qual seria o laquê francês que estaria usando; o vento quente vindo de fora completava o penteado, era o secador de cabelos da natureza, até a temperatura do ar era parecida; os solavancos da estrada de chão faziam minha cabeça pender de um lado para o outro e embora sentado estava me exercitando. Hoje meu pescoço dói! Mas não é sobre a viagem que irei falar.

Cheguei em Porto no final da tarde e a equipe decidiu descançar pouco na cidade para só então seguir viagem para Cuiabá no dia seguinte. Passamos na prefeitura para conversar alguns assuntos de aldeia com a secretaria de saúde do município e eu aproveitei para pedir um armário fechado para o meu consultório tirando proveito da época da eleição. Só em cidade do interior a gente consegue acesso tão fácil ao secretario de saúde! Conversa vai conversa vem e fomos convidados para jantar na casa da secretária; só em cidade do interior vc é convidado a jantar em casa de secretário de saúde! Como não havíamos jantado ainda ficamos satisfeitos com o convite.

Mais tarde chegamos ao local do jantar já esfomeados e a chave casa da secretária de saúde havia desaparecido.. Geralmente ficava em um vão perto da primeira janela da sala. Só secretário de saúde do interior guarda chave dentro de um vão perto da janela da sala! A secretária telefonou para o seu pai e a chave foi localizada. Só secretário de saúde do interior não tem a cópia da chave da própria casa!

Entramos na casa e partimos direto para a cozinha encontrando a cachara ( peixe de couro parente do pintado) semi congelado, dentro de uma bacia de água. A secretária meio preocupada, checou o grau de congelamento do peixe arriscou cortar uma posta mas olhando pelo seu esforço o processo estava muito difícil. Olhou para o nosso lado sugeriu que a ajudássemos. O motorista estava na internet fazendo a inscrição dos índios da sua aldeia para o vestibular indígena da Universidade federal do mato Grosso, a enfermeira foi encarregada de cortar os tomates, a secretária cortava a cebola e outros temperos e eu fui convidado ao trabalho mais árduo de cortar a cachara congelada em postas. Só em casa de secretário de saúde do interior vc é convidado a cortar uma cachara semi congelada!

Após o esforço em grupo a cachara já na panela, e o cheirinho gostoso se espalhando pelo ar começei a me imaginar jantando o nobre peixe. O queijinho com azeitonas fazia à frente do jantar regado a uma conversa política sem fim. Já estando acostumado a este tipo de conversa, fiquei tranquilo e limitado a concordar com a cabeça e a sacar algumas pérolas da comunicação do tipo, É mesmo?!, quando a conversa ficava mais quente. A conversa ficava mais quente quando a mesma começava a criticar o antigo secretário da saúde o qual é um dos candidatos a prefeito da cidade e adversário direto do prefeito atual; e para melhorar é nosso amigo também. Em cidade do interior como a política está mais perto do cidadão parece que a disputa fica mais ferrenha ainda tomanda até dimensões de nível pessoal e permanecer neutro em meio a esta guerra é como estar na corda bamba, tem que se equilibrar!

O queijo acabou, a azeitona era só caroço e a Mujica de pintado acaba de sair do fogão. O cheirinho maravilhoso e o estômago se contorcendo absorvia o vapor como se já fosse parte do jantar. Servi meu prato e o sabor estava divino. Levemente apimentado e de sabor leve. A minha esposa não iria gostar já que não gosta de pimenta mas eu amei. Reguei o arroz com o molho, coloquei a posta mais merecida da minha vida, já que fui eu que cortei, no meu prato e me deliciei com o peixe. Comendo na cozinha mesmo, a conversa política deu lugar ao silêncio e tudo correu na sua mais natural ordem. O pai da secretária juntou-se a nós e deu início a uma conversa do tempo do ronca e fuça muito agradável que comentarei outra hora.

Saí satisfeitíssimo de lá, pronto para repousar e imaginando como a vida do interior me parece mais agradável, mais simples e até mais saudável.

Coisas de cidade do interior!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A planta


Olho para os meus pés e só vejo terra preta, posso ver também as unhas e a alça das minhas Havaianas de 5 reais, aquelas tradicionais de fundo branco, sola e alça preta. Acabo de chegar da Horta do posto de saúde da reserva indígena Portal do Encantado. Só saí de lá quando estava escuro demais para eu ver aonde eu pisava e como ontem matamos uma cobra, provavelmente do gênero Bothrops (jararaca ) pela característica do rabo fino e liso, cabeça triangular e olhos feito olhos de gato, fiquei com receio de encontrar a irmã da mesma passeando em meio aos alfaces, repolhos, rúculas e afins.
A cobra de ontem estava passeando bem embaixo do tanque de lavar roupa, o mesmo lugar que costumo escovar os dentes, abaixar o meu cabelo pela manhã e muitas e muitas vezes andar com as minhas Havaianas sem lanterna e sem nenhuma preocupação. Vale lembrar que estou em uma reserva indígena aonde a energia só se consegue depois que o gerador a diesel é posto em funcionamento.
Apesar de estar em uma reserva, encontrar cobras pelo caminho não é tão frequente quanto pensam. Neste ano por exemplo, esta deve ser a terceira ou quarta cobra que avistei.
Geralmente, quando encontro com biólogos que fazem pesquisa de campo em outra reserva que eu trabalho, os vejo usando suas botas até o joelho próprias para evitar acidentes ofídicos. E eu aqui, olhando para o meu pé preto de terra e minhas havaianas populares. Que tipo de proteção me oferece? Penso se a vida aqui na floresta não está me afetando e fazendo com que o mato se torne parte do meu ser.
Fora os dias próximos à dias que avisto cobras, ando livremente no meio do mato, de havaianas, por cima de folhas, tocos, caminhos estreito na mata, e em noites de lua cheia nem utilizo lanterna e até mesmo em trechos que sei a direção, ando sem lanterna até em noites sem lua aonde não se vê um palmo na frente do nariz. Será imprudência ou convivência? Já cheguei a quase pisar em cobras várias vezes mas nunca cheguei a pisar em nenhuma, sempre consigo ve-la antes e até mesmo fotografa-la se estiver com uma máquina na mão. Talvez a mesma razão que me faz andar no meio do mato sem bota e lanterna seja a mesma que impulsiona um pedestre que atravessa uma avenida movimentada na hora do rush em São Paulo. Ele sabe os riscos que corre, mas como conhece os riscos, se arrisca. A mesma razão que faz um saltador de queda livre, um surfista de ondas gigantes ou um morador de uma favela viverem tranquilos. Já viu um índio andando de botas no mato? Eu nunca, mas de Havaianas já, e muitos! Será que estou virando um habitante da floresta? Será que estou virando um bicho ou uma planta? Bem, pelos meus pés, deve ser uma planta..................